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Há cinco anos, o estado do Paraná testemunhou um evento chocante de tortura policial em Matelândia. Este incidente, agora reavivado, traz à tona não somente esse fato, mas também as sérias preocupações sobre a cultura e o comportamento dentro das instituições encarregadas de proteger e servir a população. Tortura praticada por servidores públicos, filmada e compartilhada, sem constrangimento algum, jamais será tolerada, e é nosso dever cobrar esclarecimentos sobre os procedimentos adotados, transparência nas investigações e celeridade em tais processos, garantindo que a punição seja aplicada de maneira devida.
Dito isso, torna-se fundamental destacar que o discurso maniqueísta que cede à tentação simplista de retratar a realidade complexa da segurança pública no Brasil, como quem descreve um roteiro de filme, com o embate entre vilões e mocinhos, também não deve ter espaço em ambientes sérios, de quem procura solução verdadeira para questões que afetam tantas vidas.
Ao analisar a realidade dos policiais, é preciso reconhecer a complexidade e os desafios que eles enfrentam. Ser um policial no Brasil é assumir um papel marcado por riscos extremos, pressões psicológicas intensas e, lamentavelmente, uma remuneração que não reflete adequadamente a gravidade e a importância de seu trabalho. Os alarmantes índices de suicídio na Polícia Militar são indicativos preocupantes dessas questões que apontam para a cultura de violência dentro das instituições, e para o adoecimento desses profissionais.
O monopólio do uso da força para garantia de direitos, segurança e bem-estar da população deve estar nas mãos do Estado e não de justiceiros. Por isso é importante ser categórico: a quem serve o discurso que coloca o policial como inimigo?
Apesar de as forças de segurança serem tratadas por alguns como instituições elitistas, a maior parte dos recrutas e soldados conhece de perto a realidade das periferias e territórios populares; afinal, estes vieram e muitas vezes ainda residem nesses espaços. Isso não quer dizer que eles não estão sujeitos a erros, mas sim que retratar a figura do policial como inimigo da população é ignorar a sua realidade, a sua origem e o seu papel na construção da nossa sociedade.
Digo isso como quem acredita no papel fundamental das forças de segurança para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, como quem entende que o monopólio do uso da força para garantia de direitos, segurança e bem-estar da população deve estar nas mãos do Estado e não de justiceiros. Por isso é importante ser categórico: a quem serve o discurso que coloca o policial como inimigo?
Quando a figura do policial é excessivamente criminalizada, isso prejudica sua capacidade de proteger e servir, especialmente em comunidades vulneráveis. Isso não apenas dificulta o combate ao crime, mas também fortalece criminosos, que aproveitam essa situação para consolidar seu poder. A criminalização exagerada dos policiais não apenas prejudica seu desempenho, mas também coloca em risco a segurança e o bem-estar da comunidade. É importante lembrar que os policiais são, antes de tudo, seres humanos com vidas e papéis sociais diversos. Muitos são pais, mães, o vizinho que joga futebol na várzea aos fins de semana. Essa humanização é essencial para quebrar estereótipos e aproximar a polícia da comunidade. Quando os policiais são vistos apenas como agentes de repressão, perde-se a noção de que eles também são parte integrante da comunidade que servem.
Uma das grandes barreiras na relação polícia-comunidade é o ciclo vicioso de desumanização do policial, em relação à população e da população com o policial. Para uma transformação efetiva e duradoura, é crucial acabar com o discurso de "nós contra eles”, que frequentemente permeia as discussões sobre segurança pública. A colaboração e o entendimento mútuo entre a polícia e a comunidade são fundamentais.
Somente através de treinamentos sérios e investimentos concretos é possível construir um diálogo aberto respeitoso e contínuo, que propicie um ambiente de confiança e segurança para todos. Este é um desafio que demanda tempo, paciência e persistência, mas é essencial para a criação de uma sociedade mais justa e pacífica. Uma força policial que esteja enraizada nas comunidades e que possa ver a humanidade no outro deve ter sua própria humanidade reconhecida. Somente por meio de uma abordagem abrangente e ação decisiva, a polícia do Paraná, e de todo o Brasil, poderá melhorar.
Requião Filho é deputado estadual no Paraná.
Conteúdo editado por: Bruna Frascolla Bloise