Sede do Executivo riograndense.| Foto: Ricardo André Frantz/Creative Commons
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O excelentíssimo senhor Governador do Estado (RS), em legítima pretensão política, propugnou o aumento do ICMS. A proposta não encontrou eco no Parlamento gaúcho, tendo o Rio Grande, por seus representantes eleitos, rejeitado a majoração tributária. Sem possibilidade de êxito legislativo, o Piratini recuou, retirando o projeto de pauta. Se os fatos aí calassem, não haveria qualquer novidade. Acontece que o Executivo não se deu por vencido e, como medida alternativa, lançou decreto sui generis, retirando benefícios fiscais de uma série de produtos, incluindo a cesta-básica.

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Ora, é preceito humanitário elementar que não há dignidade na fome. Logo, o estímulo e facilitação do acesso à cesta-básica traduz efetividade material ao direito fundamental à alimentação para fins de bem atender a necessidades vitais básicas do ser humano. Sobre o ponto, já decidiu a colenda Suprema Corte, em sessão plenária, que “fomentar o acesso à cesta básica significa dar concreção ao direito fundamental à alimentação”, vindo a consignar de forma categórica: “Não estamos diante de um mero benefício. Ao reduzir a carga tributária da cesta básica, o Estado de Minas Gerais dá densidade ao direito fundamental à alimentação, que inadmite restrições” (j. 12.09.2023).

Indo adiante, oportuno ressaltar que política fiscal não é – e jamais será – instrumento revanchista por derrotas parlamentares. Em outras palavras, independente do mérito do decreto executivo, a forma escolhida é febril e de duvidosa legalidade. Em tempo, o art. 141 da Constituição Estadual/RS estabelece que a concessão de anistia, remissão, isenção, benefícios e incentivos pressupõe autorização legislativa, indicando que temas afeitos à política fiscal devem contar, à luz do primado democrático, com participação efetiva do Parlamento e não, apenas, com a tinta de canetas imperiais.

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O decreto não pode ser usado como via indireta de aumento arrecadatório, em contorno oblíquo ao princípio da legalidade. 

Aliás, é fato pacífico que o objetivo da medida política não é o de fazer ajustes pontuais na matriz fiscal estadual, mediante uso ponderado e constitucional do decreto executivo. Não, a finalidade almejada é o aumento estrutural da carga tributária estadual frente a dificuldades de caixa do governo. Se assim o é, tal majoração fiscal deve se dar obrigatoriamente por “lei”, ato normativo emanado do Poder Legislativo, nos termos do art. 150, I, da CF/88. Ou seja, o decreto não pode ser usado como via indireta de aumento arrecadatório, em contorno oblíquo ao princípio da legalidade.

Frisa-se que o uso do decreto executivo para majorações fiscais indiretas – ainda mais quando de cunho estrutural e, não, meramente pontual – possui tons de inconstitucionalidade. Em recente decisão do STF, restou consignado que “a jurisprudência deste Supremo Tribunal é firme no sentido de que ‘não só a majoração direta de tributos atrai a necessidade de observância do princípio da anterioridade, mas também a majoração indireta decorrente de revogação de benefícios fiscais e de redução de base de cálculo’ (ARE n. 1.318.351-AgR, Relator o Ministro Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 7.10.2021). O Supremo Tribunal Federal também assentou que ‘a observância do princípio da legalidade tributária é verificada de acordo com cada espécie tributária e à luz de cada caso concreto, sendo certo que não existe ampla e irrestrita liberdade para o legislador realizar diálogo com o regulamento no tocante aos aspectos da regra matriz de incidência tributária’ (ADI n. 5.277, Relator o Ministro Dias Toffoli, Plenário, DJe 25.3.2021)”.

Por outro lado, importante registrar que o gesto do Piratini suscita importante debate sobre renúncias fiscais. Isso porque benefício injustificável não passa de privilégio fiscal, afrontando o princípio da igualdade tributária.O assunto, portanto, é politicamente relevante, mas não autoriza revogações intempestivas. Sobre o ponto, o art. 37, § 16, da CF/88 determina que cabe à Administração realizar avaliação de políticas públicas – também incluídas as de natureza fiscal –, devendo, para tanto, realizar estudos sérios, independentes e criteriosos, com ampla participação das partes interessadas, ouvindo e bem ponderando os argumentos da sociedade civil organizada e, especialmente, o setor empresarial, quando substancialmente onerado.

Por tudo, ganharia o Rio Grande e os gaúchos se, antes de pressa e ansiedade arrecadatória, promovêssemos o devido debate sobre tema tão importante e de significativa repercussão no preço de produtos essenciais, mediante prévia e detida avaliação da política fiscal em curso, publicizando seus resultados com consequente exposição de motivos para eventual revogação ou ajuste dos benefícios concedidos. Da forma como está, o ato executivo erra tanto forma, como na substância. Felizmente, segundo notícias matinais, o Executivo mudará sua estratégia e encaminhará novo projeto de lei a debate parlamentar. Se assim o for, todos ganharão. Afinal, em uma democracia alta, diálogo não se faz por decreto.

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Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado e conselheiro do Instituto Millenium.