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Os sistemas penitenciários do continente americano estão “no limite”. Relatórios recentes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) dão conta de que milhares de pessoas em situação de privação de liberdade, para além de se submeterem a um encarceramento desnecessário, estão sendo ultrajadas em sua dignidade pessoal. De fato, são notórias a saturação e a precariedade das condições de confinamento e o insatisfatório funcionamento da grande maioria dos equipamentos contemplados para acomodar esse imenso contingente. A questão penitenciária, na região, assumiu contornos de verdadeira crise humanitária.

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Emprego de muita energia e orçamento público não estão obtendo o retorno à sociedade, em condições e circunstâncias mais favoráveis, daqueles que se submetem ao sistema penitenciário. A gestão e a governança dos sistemas penitenciários ainda são temas periféricos, manejados de forma amadora. O ideal de permitir aos egressos, depois de experimentarem o castigo, uma melhor convivência e integração social, é promessa não cumprida, cultivada no imaginário normativo. Continuar ignorando que essas pessoas estão sujeitas a “atenção especial do Estado” em nada irá contribuir para revertermos os altos índices de criminalidade no país.

O fato de o Brasil, em termos absolutos, manter, sob custódia, o quarto maior contingente prisional do planeta (com mais de 622 mil pessoas em situação de privação de liberdade) sem, todavia, dispor de espaço adequado para preservar a incolumidade, em condições dignas, de todas essas pessoas – o que o Supremo Tribunal Federal qualificou como “estado de coisas inconstitucional” na ADPF 347 – é uma das manifestações mais evidentes de uma realidade que só se presta para agravar ou colocar sob risco ainda maior a segurança da sociedade.

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Essas são as debilidades das capacidades institucionais e de gestão para conseguir um adequado manejo dos diferentes sistemas penitenciários que se reproduzem em nosso país, a que se soma a diminuta coordenação (inter/intra)institucional entre esses sistemas penitenciários e a Justiça, as instituições policiais e programas de prevenção.

O sistema penitenciário brasileiro transpira um acúmulo de experiências e desmandos

A sistemática relutância em se acatar as proposições do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) nos decretos de indulto presidencial prova que as questões penitenciárias não detêm vocação nacional. Tal realidade também se vê diante do desrespeito diário da jurisprudência dominante dos tribunais superiores no âmbito das execuções penais, via de regra operacionalizada por meio de casuísmos. O sistema penitenciário brasileiro transpira um acúmulo de experiências e desmandos que desencadeiam situações mal encaminhadas e que, antes, demandariam ações tributárias de uma coordenação logística e institucional séria e mais eficaz.

Diante desse universo, iniciativas promissoras são sempre bem vindas. Devemos estar atentos a todas as opções que se apresentam para um cenário de poucas luzes. Há campo para o fomento de iniciativas criativas, em condições de cobrar soluções e saídas mais plausíveis para superar a “saturação dos equipamentos penitenciários” e alcançar um funcionamento mais adequado das estruturas do sistema penitenciário.

No Brasil, o Conselho Nacional de Justiça, nos últimos anos, tem demonstrado que boas alternativas existem e podem ser colocadas em prática. Prova disso são programas ali concebidos e gestados, como os mutirões carcerários, o Começar de Novo, as audiências de custódia, o Cidadania nos Presídios, o Universidade no Cárcere, o Saúde Prisional e o Sistema Eletrônico de Execução Continuada – este último, aliás, inspirado em feliz iniciativa do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ-PR). Lamenta-se apenas que a falta de incentivo e continuidade desses programas seja uma constante, mercê da alternância das diferentes gestões perante aquele órgão.

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Leia também:Mentiras do cárcere (artigo de Diego Pessi e Leonardo Giardin, publicado em 11 de julho de 2017)

Mas algo de novo e para o qual nossos olhos ainda pouco se voltaram está nascendo: o recurso ao auxílio de organismos internacionais. Trata-se da recente aproximação entre a Organização dos Estados Americanos (OEA) e o estado do Paraná, buscando fortalecer as capacidades institucionais do sistema penitenciário paranaense. Aliás, o aprimoramento dos sistemas penitenciários, através do desenho de estratégias de natureza integral pelo Departamento de Segurança Pública (DSP) da OEA, é um dos focos da Secretaria de Segurança Multidimensional (SMS), enquanto órgão criado na sequência da Declaração sobre Segurança nas Américas (de 2003) para promover a cooperação regional e o fortalecimento de capacidades para prevenir, enfrentar e responder as ameaças da segurança na região das Américas.

Partindo do pressuposto de que a “questão penitenciária” é um problema que causa impacto na segurança pública, tomada em perspectiva multidimensional, esta parceria representa algo de novo, para o qual devemos estar atentos, já que resultados daí se esperam a partir de 2018, quando ações conjuntas decorrentes do memorando de entendimento já firmado entre OEA e Paraná passarão a ser concretizados.

Leia também:O que fazer com nossas prisões? (editorial de 11 de janeiro de 2017)

Não há dúvida de que o funcionamento em sintonia dos sistemas policial, de Justiça e penitenciário é um componente significativo, com condições de beneficiar o sentimento de segurança a que todos os cidadãos almejam. A promessa de se atuar perante essas diferentes instâncias, simultaneamente, com o fim de se (re)discutir, certificar e formatar (novas) práticas e rotinas capazes de conferir alguma harmonia à multifacetada política criminal do Estado brasileiro é um desafio alvissareiro, uma vez que não se pode ignorar que cada qual contribui para a estabilidade da segurança de todos. Ocorre que essas instâncias não conversam entre si e não raras vezes concorrem em detrimento da unidade do Estado no combate ao crime. A lógica da prisão e da reinserção social deve submeter-se a uma régua de compensação equilibrada. A não ser assim, o persistente problema penitenciário mal equacionado de ontem e hoje é o prenúncio da piora da qualidade da segurança de amanhã.

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Parece-nos, no entanto, que alguma luz no túnel está surgindo e se mostra pela primeira vez como algo que está decidido a fazer do enfrentamento da questão o compromisso plural de ajustar todas as agências do Estado e fazê-las discutir conjuntamente ações que devolvam ao povo a tranquilidade de caminhar nas ruas e a confiança em nossas autoridades.

Otávio Augusto de Almeida Toledo é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP).