Entre as preocupações de alguns com as futuras vacinas contra a Covid-19 (ainda dependentes de Fase 3 e liberação pela Anvisa) está o fato de elas estarem sendo desenvolvidas muito rapidamente. Mas não é bem assim. Após a identificação de um agente de uma determinada doença, realmente são gastos alguns anos para se identificar nele porções que funcionem como vacina, ou a possibilidade de sua utilização integral, atenuado (vivo) ou inativado (morto).
Porém, quando se iniciou a epidemia de doença respiratória no fim de 2002 na China, que atingiu alguns outros países, o Sars-CoV-1 foi identificado como agente e profundamente estudado. Suas estruturas com capacidade de gerar imunidade foram identificadas. Mas naquele momento não se partiu para o desenvolvimento de uma vacina, já que a epidemia teve curta duração.
Em 2012, uma grave doença infecciosa iniciou-se na Arábia Saudita e países vizinhos. Cerca de 35% dos infectados evoluíam para o óbito. Novamente um vírus do grupo coronavírus foi identificado (Mers-Cov). O temor de uma pandemia dessa gravidade levou vários institutos de pesquisa a iniciarem o desenvolvimento de uma vacina contra o agente. Mais uma vez, a doença não se disseminou no mundo, mas as pesquisas não foram interrompidas.
Logo no fim de 2019 foi identificado o Sars-CoV-2. Ficando evidente a gravidade da pandemia, essas plataformas de pesquisas foram utilizadas para o início de desenvolvimento de vacinas. Já se sabia que uma proteína exterior de vírus (spike) era essencial para que o vírus pudesse invadir as células humanas. Logo, partiu-se para experimentos em animais de vacinas candidatas que possuem o vírus inteiro (morto), vacinas purificadas da proteína e vacinas que levam nossas próprias células a produzi-la.
O experimento em animais é rápido. A vacina candidata é aplicada, observando-se as reações adversas e a produção de anticorpos. Ultrapassando esse momento pré-clínico e havendo financiamento garantido, inicia-se a Fase 1. Nessa fase, poucos humanos são imunizados, em geral com doses altas, principalmente para observar a ocorrência ou não de eventos adversos. Também seus resultados são bastante rápidos. Vencido esse estágio, a Fase 2 é iniciada e um grupo maior de voluntários humanos, geralmente entre 500 e 1 mil, recebe a vacina. Mais uma vez são observadas as reações adversas e a produção de anticorpos. Essa fase também pode ser rápida.
Superadas as fases anteriores, inicia-se um grande desafio: comprovar que humanos não só produzem anticorpos, mas realmente ficam protegidos da doença. É a chamada atualmente de Fase 3. Milhares de voluntários recebem a vacina em teste e outros recebem um placebo, ou mesmo uma vacina já licenciada para outra doença. Nem os voluntários, nem os pesquisadores sabem que produto cada indivíduo recebeu (estudo duplo cego). Nessa fase, o tempo de duração não depende de nossa vontade. Se o agente da doença estiver circulando pouco, podemos levar alguns anos de acompanhamento para conhecermos e calcularmos estatisticamente o nível de proteção da vacina.
No entanto, se o agente está circulando de forma intensa, o resultado pode ser mais rápido. Naturalmente, um resultado obtido em meses não vai revelar o total potencial de proteção. Por isso, os organismos internacionais determinaram que uma eficácia ao nível de 50% a 60% seria suficiente para a utilização da vacina. O acompanhamento continuado pode, no futuro, revelar uma eficácia ainda maior.
O último passo é a análise de todo esse processo por agências reguladoras que vão dar a palavra final sobre a utilização ou não da vacina. Essa análise pode ser encurtada no tempo se, em caráter excepcional, as agências analisarem todas as fases antes da conclusão da Fase 3. Essa última, tendo resultados parciais otimistas em relação à segurança e proteção, possibilita a liberação da vacina.
A desconfiança de todos é compreensível, pois é a primeira vez na história que utilizamos esses processos de forma rápida. Mas, se uma vacina contra a Covid-19 se mostrar segura e com eficácia razoável, e for licenciada pela agência reguladora, não há motivo para temê-la.
José Geraldo Leite Ribeiro é epidemiologista e assessor de vacinas do Grupo Pardini.