• Carregando...

A capital paranaense é lugar de passa­­gem. Passagem do Sul em direção ao Centro-Oeste e demais regiões do país. Aqui passa de tudo: riqueza, pobreza, dro­­gas, conflitos de interesses, confli­­tos familiares etc.

Nas últimas semanas a população curitibana foi surpreendida com a constatação de que aqui o número de ocorrência de homicídios em cada mil habitantes é três vezes maior do que a cidade de São Paulo. Como explicar esse fenômeno? A explicação não é simples, mas pode se encontrar no somatório de diferentes fatores.

O primeiro aspecto a ser considerado é a forma como se deu o processo da ocupação do espaço urbano de Curitiba. Esta cidade, ao mesmo tempo em que se apresenta ao mundo como uma cidade modelo, ao longo de sua história produziu um apartheid entre as zonas ricas e pobres da cidade, de forma que nos dias de hoje convive-se com duas realidades: uma similar a um padrão urbano europeu e uma outra incomparavelmente pobre.

Como isso ocorreu? A explicação da formação desse apartheid também não é simples. Mas, para explicar esse processo, é preciso lembrar que historicamente a economia paranaense se sedimentou sobre a agricultura, até mesmo sobre a agricultura familiar. Diferentemente de outros estados, onde a modernização da agricultura e a consequente liberação da mão de obra agrícola se deu de forma mais rápida, praticamente en­­tre as décadas de 40 e 80, aqui no Paraná, pela própria pujança agrícola, a mão de obra lá permaneceu por mais tempo, acontecendo um retardo no processo migratório rural x urbano. A migração rural x urbana é uma realidade muito típica do Paraná e ainda está ocorrendo. Ao longo dos tempos, essa população foi improvisando a ocupação do espaço urbano de forma alternativa, constituindo bairros residenciais com grandes precariedades, pobreza e vulnerabilidade.

Não se trata de dizer que a ocorrência de homicídios se dá somente em ambientes de pobreza urbana, mas se tem uma população em condições de grande vulnerabilidade, com grandes possibilidades de se envolver em aventuras em nome da luta pela sobrevivência, e com isso produzindo conflitos familiares, disputa de espaços etc. Por outro lado, registra-se que as administrações públicas, ao longo das últimas décadas, embebedaram-se no preparativo da cidade para ser vista pelo mundo, vedando os olhos para uma população que há décadas paira na periferia sem ser totalmente inserida e aceita pela bela cidade modelo.

O segundo aspecto a analisar diz respeito à própria pujança econômica da cidade. Di­­ferente de qualquer outra capital brasileira, Curitiba vem construindo uma trajetória de crescimento econômico acelerado e ininterrupto especialmente desde a década de 60. O desenvolvimento econômico provoca uma realidade contraditória. Se de um lado ele traz grandes benefícios, por outro ele provoca uma dinâmica de diferentes movimentos, com ocorrência de atritos, alojando um segmento social, mas desalojando outro, inserindo um e excluindo outro, provocando disputa de interesses, conflitos etc., além de reforçar ainda mais o processo migratório em direção à cidade, de pessoas também de origem de ou­­tros estados.

O terceiro aspecto a ser considerado diz respeito à localização geográfica de Curitiba, constituindo-se em lugar de passagem. Passagem do Sul em direção ao Centro-Oeste e demais regiões do país. Aqui passa de tudo: riqueza, pobreza, drogas, conflitos de interesses, conflitos familiares etc.

Evidentemente que o aparelhamento policial é um aspecto importante e indispensável no combate à violência de uma cidade. Mas essa ação, sozinha, não resolve. Nesse caso não se trata unicamente de Curitiba, mas do Brasil como um todo. O combate à violência se faz especialmente com a presença da ação pública nas periferias urbanas, no mapeamento de todo e qualquer quarteirão, no registro de quem reside lá e o que faz para sobreviver, no envolvimento da população em programas produtivos permanentes de educação, de preparação para o trabalho, de disponibilização de postos de trabalho e de lazer etc.

Lindomar Wessler Boneti, sociólogo,é professor da PUCPR.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]