A contenção imposta pela campanha eleitoral na receita clássica da esperteza desaguou na penitência das promessas de recuperação da ética nos três poderes, maltratados na longa e tenebrosa temporada de escândalos das maiores da nossa crônica republicana.
Reeleitos e novatos para o Executivo e o Legislativo assumiram os mandatos com a mão no peito, socando as promessas de novos tempos de religioso respeito à ética, escravos da moralidade na cruzada pelo restabelecimento do prestígio das instituições.
Durou pouco, um piscar de olhos, o impulso das boas intenções. A começar pelo deslumbramento do presidente Lula com a facilidade da vitória, enfeitada por mais de 60 milhões de votos. O juramento à beira do impossível da arrancada para o desenvolvimento, com metas estabelecidas no ambicioso Programa para a Aceleração do Crescimento, o PAC da sigla de fácil memorização, foi arrancado com esforço depois da recusa da modesta proposta inicial pela irritação presidencial. A comissão dos sábios acantonada no Palácio do Planalto refez o dever de casa e o PAC desembarcou no Congresso para a tramitação de longos conchavos.
Mas os sinais de advertência piscam nos quatro cantos do mundo. E as rugas de preocupação substituem a esfuziante euforia. A dia, a sua provação. A da vez chegou embrulhada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que adverte para o pífio índice de crescimento de apenas 2,9% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2006, pouco acima da metade da média mundial de 5,1%. Não é tudo. O decepcionante resultado crava o empate dos primeiros quatro anos de Lula com a média de 2,6% de expansão do primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, que o sucessor costuma qualificar como a herança maldita que desabou na sua cabeça.
A choradeira oficial acusa a pancada e busca sair pela tangente de desculpas contraditórias. Lula sai da reta pelo desvio do sofisma: "Só estamos falando hoje em crescimento porque estamos com a economia arrumadinha". E transfere as promessas para o segundo mandato que ainda não começou, com a bagunça do Ministério congelado pela lentidão das barganhas com os partidos para a montagem da base de apoio parlamentar.
De conversa em conversa o presidente exercita a habilidade de adiar para o dia seguinte, para um dia no futuro, os compromissos de duas campanhas. Não tem o que temer: 11 milhões de bolsas-família enganam a fome de 44 milhões de eleitores. E não se enxerga no horizonte a silhueta do candidato da oposição.
Para o conforto de Lula, o Supremo Tribunal Federal (STF) em decisão de alarmante insensibilidade política, derrubou a norma moralizadora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que limitava os vencimentos de juízes e desembargadores estaduais e subiu o teto dos R$ 22.111 para os R$ 24.500 dos ministros da mais alta corte da Justiça. Decisão irrecorrível; pouco importa que os cofres estaduais ou municipais agüentem a sobrecarga.
A cascata, com a descarga da toga inundou o Congresso. O baixo claro ganhou alma nova, pressionou a Mesa Diretora e impôs ao presidente da Câmara, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) a convocação dos líderes de bancada para a imediata decisão do aumento dos subsídios parlamentares. Docemente constrangido, o presidente apagou a brasa do pavio curto e prometeu marcar a reunião para a próxima semana, quando os subsídios saltarão de R$ 12,8 mil para R$ 16,5 mil.
O segundo vice-presidente, deputado Inocêncio Oliveira (PR-PE), retribuiu a amabilidade e prometeu não formalizar a proposta para o aumento de 28% da verba indenizatória dos R$ 15 mil, foco de cabeludas irregularidades na apresentação de recibos falsificados, notas frias e outras maroteiras pelos agraciados com o salário indireto.
O povo paga a conta. Na cúpula sobra dinheiro; falta o resto.
Villas-Bôas Corrêa é analista político.