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| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

4 de fevereiro é o Dia Mundial do Câncer, data eleita pela União Internacional para o Controle do Câncer (UICC) como marco para promover ações que reduzam o impacto da doença no mundo. É um dia para lembrarmos que o câncer não espera e refletir sobre a situação de pessoas com câncer no Brasil: pode significar uma corrida contra o tempo pela própria vida num cenário de descaso e falta de processos ágeis. Para a cura ser possível, é essencial diagnosticar tumores e iniciar o tratamento adequado o quanto antes, para evitar o agravamento da doença e a própria morte.

Quando analisamos a saúde pública – da qual cerca de 70% dos brasileiros dependem exclusivamente – em relação ao câncer, não constatamos que haja uma evolução necessária para lidar com o câncer. Mesmo pacientes que dispõem de planos e convênios de saúde enfrentam dificuldades cada vez maiores.

Para citar o câncer de mama, ao qual a Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama) se dedica com prioridade, estamos atrasando o início do diagnóstico de mulheres em uma década por causa de uma regulamentação baseada em evidências que não refletem o cenário brasileiro do enfrentamento do câncer: a recomendação aplicada pelas sociedades médicas em nosso país preconiza que o rastreamento deve começar aos 40 anos de idade para garantir o diagnóstico precoce do câncer de mama. O sistema público de saúde brasileiro, porém, oferece o exame para mulheres somente a partir dos 50 anos, apesar de haver uma lei que determina que todas as mulheres a partir de 40 anos tenham acesso ao exame gratuito. Os planos de saúde estão fazendo restrições ao acesso à mamografia acima de 69 anos.

Presenciamos anualmente milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas

Outro sintoma de um sistema de saúde que não consegue garantir direitos já consolidados é a incapacidade de ser colocada em prática, há mais de três anos, a chamada “lei dos 60 dias” (12.732/12), que estabelece que o tratamento de um paciente com tumor maligno pelo Sistema Único de Saúde deve iniciar em no máximo dois meses. Os pacientes temem procurar a Defensoria Pública para ajudá-los por medo de retaliação do sistema do qual dependem.

Como resultado dessas e outras carências dos sistemas de saúde, presenciamos anualmente milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas. O câncer de mama, para o qual perdemos mais de 14 mil mulheres anualmente, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), tem índice de cura de 95% quando diagnosticado precocemente. Mas, ainda assim, a mortalidade segue crescendo, ao contrário do que ocorre em países desenvolvidos.

Para reverter esse quadro, precisamos emergencialmente amadurecer uma cultura de acesso pleno à saúde em nosso país. A Femama atua nesse front desde que foi fundada, há dez anos. Recentemente, a diretoria executiva da Organização Mundial de Saúde (OMS), agência da ONU para a saúde, ressaltou a importância dessa linha de atuação por meio de um relatório que avalia o cenário do controle do câncer nos países membros (incluindo o Brasil) e determina diretrizes de atuação para os governos desses países. O desafio para o restante do mundo é muito parecido com o brasileiro. De acordo com a OMS, 4,3 milhões de mortes causadas pelo câncer ao redor do mundo poderiam ter sido evitadas em 2012 – 75% delas, em países de baixa e média renda. Apesar disso, apenas 5% dos investimentos com prevenção e combate ao câncer no mundo são aplicados nesses países.

Nesse sentido, a OMS recomenda aos governos aumentar esforços para fortalecer os sistemas de saúde em nível nacional e local, a fim de garantir o acesso a diagnóstico precoce e a tratamentos de alta qualidade a custos razoáveis, como a implementação do pacote de medicamentos essenciais determinados pelo órgão nos sistemas de saúde.

Além disso, a OMS ressalta a importância de prover dados precisos sobre o câncer para orientar os gestores e monitorar os programas de saúde. De acordo com o relatório, apenas um em cada cinco países de baixa e média renda conta com dados necessários para orientar as políticas públicas. Essa também é a nossa realidade e a Femama realiza ações para incentivar a adoção do registro compulsório do câncer em nosso país.

A avaliação da OMS mostra que estamos alinhados ao movimento que se estrutura no mundo inteiro para tornar mais efetivo o combate ao câncer, e que as demandas de melhoria da sociedade civil organizada encontram respaldo em instituições globais. Hoje, a Femama segue realizando o controle social para cobrar o cumprimento dos direitos de pacientes, convocando a sociedade a se engajar com o assunto e propondo formas de ampliar o acesso aos serviços oncológicos e aos dados sobre o câncer, tendo em vista a redução da mortalidade por câncer de mama no país. Conquistamos vitórias marcantes, mas também enfrentamos constantemente a indiferença de parte dos tomadores de decisões da área da saúde em nosso país.

Só temos a ganhar, como sociedade, se unirmos esforços para estabelecer um sistema de saúde oncológica com acesso realmente pleno, que ofereça atendimento humano, efetivo e qualificado. Afinal, o câncer não espera, e também não escolhe a quem atinge: todos estamos sujeitos a enfrentar essa batalha, estejamos prontos para isso ou não. É melhor estar preparado.

Maira Caleffi é médica mastologista, presidente voluntária da Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama) e chefe do Serviço de Mastologia do Hospital Moinhos de Vento.
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