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A reforma tributária de Haddad não é o apocalipse de aumento de impostos que o bolsonarismo acusa, nem o avanço progressista que o governo propagandeia.
Para começar, ela nem sequer muda nada agora; só começará a ser aplicada depois do governo Lula e só entrará em vigor completamente daqui a dez anos.
O que é pior, a tão necessária mudança da atual cobrança do imposto de consumo na origem para a cobrança no destino, só entrará supostamente completamente em vigor em 2078! Não, isso não é uma piada. Ou melhor, é, mas não é minha, é dos deputados e do governo Lula.
É a velha covardia e postergação petista em ação.
Essa reforma aumenta a conta no lombo dos mais pobres, já que concentra sua mudança na adoção do IVA. Como ele é um imposto sobre o consumo, é pago com a mesma alíquota por todos, e acaba comendo uma fatia maior na renda do pobre, que consome tudo o que ganha. Logo, teria que ser compensado por impostos sobre a renda, como impostos sobre lucros e dividendos, patrimônio e imposto de renda. É claro que isso não aconteceu.
O IVA é sim, um avanço. Sempre o defendi como proposta de reforma tributária. Ele é mais eficiente na arrecadação, diminui os custos das empresas para pagá-lo e elimina os impostos em cascata, aumentando a competitividade de nossa indústria e produtos.
Como o IVA é um imposto sobre o consumo, é pago com a mesma alíquota por todos, e acaba comendo uma fatia maior na renda do pobre, que consome tudo o que ganha.
No entanto, não foi toda a simplificação que esperávamos. Ao invés de criar um IVA, a reforma criou dois. Isso mesmo: um federal e outro com gestão compartilhada entre estados e municípios, o IBS. Uma bagunça. As alíquotas desses IVAs ainda não foram definidas, mas a estimativa é que girem em torno de 27,5%, aumentando a carga tributária em cima dos mais pobres. E pior, os novos impostos conviverão por dez anos – isso mesmo, dez anos – com os antigos, criando o maior inferno tributário da história brasileira.
Há outras mudanças marginais na reforma. A primeira é a isenção de tributos para a Cesta Básica, o que é positivo. Mas para supostamente compensar o pobre pelos novos impostos sobre o consumo, cria-se uma nova confusão tributária: a jabuticaba do "cashback" para "pobres". É evidente que isso não tem como funcionar, não há como ressarcir individualmente bilhões de transações para pessoas que nem declaram ajuste do IR. Ficou para as calendas, a regulação por “lei complementar”. O Imposto sobre grandes fortunas, por exemplo, está esperando a regulação desde a promulgação da constituição.
Uma coisa bem perigosa na reforma são as portas para a agenda ESG de imobilização da economia brasileira. Criaram o "imposto do pecado", que servirá para taxar produtos "malvadões". Sempre defendi um imposto para itens de luxo, o que não é a mesma coisa. A previsão de taxar produtos "antiecológicos" abre a porteira para a sobretaxação de produtos nacionais. Além disso, está lá escondidinho na reforma o artigo 43, mudando as regras para concessão de subsídios em nome de “adequação ecológica”. Vem garrote ecológico aí?
Já a cobrança de IPVA para veículos de luxo, jatinhos, iates e lanchas, é uma demanda moral básica sempre defendida por quem quer justiça tributária no país. É o único aspecto indiscutivelmente positivo na reforma, mas simbólico. O poder de arrecadação é ínfimo.
Já impostos sobre a renda, progressivos, ou seja, sobre lucros e dividendos, nova alíquota do IR, grandes fortunas, nada.
É isso. Ao contrário da promessa de campanha de Lula, nem o pobre foi para o orçamento nem o rico para o imposto de renda.
A Faria Lima gostou, pois ela simplifica um pouco o sistema sem mexer no bolso dos ricos. Não é para menos. É uma reforma dos ricos, pelos ricos e para os ricos. A reforma do PT.
Gustavo Castañon é professor de Filosofia e Psicologia na Universidade Federal de Juiz de Fora. Costuma fazer reflexões diárias sobre política ou filosofia no Twitter e no Facebook.
Conteúdo editado por: Bruna Frascolla Bloise