Diz a lenda que Nero, ao atear fogo em Roma, era motivado pelo nobre desejo de escrever um poema da mesma qualidade de Homero em sua narrativa do incêndio de Troia na Ilíada. Outro imperador romano, Calígula, diz o boato, nomeou um cavalo como cônsul e quis mesmo fazê-lo sacerdote a fim de resolver o problema da corrupção que, segundo seu ponto de vista, grassava solta no Senado romano. A continuar agindo do jeito que está, Eduardo Cunha corre o risco de juntar-se a essa ilustre galeria de predecessores na proposta de soluções bizarras para os problemas que afligem uma determinada pólis.
Pois, a julgar por suas iniciativas até agora, qual será o legado de Cunha para a política brasileira? Em primeiro lugar, devemos mencionar um aspecto positivo, que é o de afirmar a importância da Câmara dos Deputados no sistema político brasileiro. É percepção corrente da população, e mesmo de alguns dos melhores analistas políticos, que somente os chefes do Executivo detêm o poder em nosso sistema político. Ao enfatizar a independência da Câmara e liderar várias iniciativas que vão contra as preferências manifestas da Presidência da República, Eduardo Cunha reafirma a importância do parlamento, fazendo convergir para o órgão legislativo as atenções da opinião pública nacional. Num país de cultura política autoritária como o Brasil, e pouca tradição de valorizar os partidos políticos e o Legislativo, isso é, por si só, uma grande qualidade.
Eduardo Cunha é um dos principais focos de crise e retrocesso em nossa democracia
Entretanto, os méritos terminam aí. Vejamos, apenas a título de exemplo, o caso do escalafobético e faraônico “Parlashopping”, avaliado em mais de R$ 1 bilhão e cujas motivações e circunstâncias de construção são extremamente obscuras, para dizer o mínimo. O que estaria motivando Cunha a propor a construção desse autêntico cemitério de elefantes brancos em pleno contexto de crise e ajuste fiscal pelo qual passamos?
Além disso, Cunha liderou de forma atabalhoada uma “reforma política” que, além de desconsiderar todas as sugestões feitas pela assessoria da casa, teria como único efeito prático o de eliminar um dos maiores avanços ocorridos na democracia brasileira, ou seja, a possibilidade de identificação, pelos eleitores, dos financiadores individuais das campanhas dos políticos através dos dados disponíveis no TSE. Isso ocorreria caso o STF não tivesse recentemente declarado inconstitucional o financiamento de campanhas por pessoas jurídicas.
Ora, o papel do presidente da Câmara é zelar pela independência do Legislativo, sim, mas nesse papel deve revelar discrição, espírito público, equilíbrio de julgamento e moderação em suas atitudes, não contribuindo para agravar ainda mais a crise política e econômica por que passa o país e as suspeitas de corrupção e irregularidades no sistema político brasileiro.
Eduardo Cunha, hoje, juntamente com a inoperância do governo, é um dos principais focos de crise e retrocesso em nossa democracia. A continuar desse jeito, talvez não tenhamos em breve um incêndio em Brasília, nem a nomeação de um equino como membro da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados. Mas é muito provável que testemunhemos, ao fim de sua gestão, um uso – nunca visto antes nesse país –, por um político, de um cargo público em benefício próprio e de seus aliados e financiadores de campanha.
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