Um dos principais temas da Conferência Internacional de Financiamento para o Desenvolvimento é o compromisso dos países buscarem aprimorar seus sistemas tributários. O recado dos textos de Monterrey (México, 2002), Doha (Qatar, 2008) e Adis Abeba (Etiópia, 2015), elaborados por pessoas buscando soluções para aproveitar a abundância de recursos no mundo para reduzir as iniquidades degradantes e persistentes, foi direto e simples: os regimes de tributação devem passar a ser progressivos. E, ademais, os processos industriais que causam efeitos negativos, tanto ambiental quanto socialmente, devem ser base de tributação seletiva.
A progressividade tributária é fácil de entender, porém difícil de implementar, pois deixa de ser uma questão técnica para explicitar o que significa poder político em sua aplicação prática. A receita pública é formada por tributos e dívida. Os tributos são imposição do Estado sobre as operações da vida econômica das pessoas e instituições do país. Uma imposição que implica seu poder soberano de determinar a aplicação da lei sobre as contabilidades de transações de produtos e serviços, amálgama das interações que contribuem para o tecido social. Parafraseando um velho ditado, mostre-me seu sistema tributário e mostrarei sua condição socioeconômica.
O sistema tributário no Brasil é regressivo, ou seja, as pessoas de menor renda contribuem mais para a receita pública do que as pessoas e instituições de maior renda. Segundo dados da Receita Federal, mais da metade da arrecadação é formada por impostos indiretos, todas as pessoas pagam o mesmo percentual independente de sua renda. Quanto mais impostos indiretos tem um país, mais regressivo é o seu sistema e mais desigualdade é gerada. Aqui temos vários, do IPI federal ao ICMS estadual. Com o detalhe de que as alíquotas desses impostos são normalmente altas – em média 25%. Em termos de alíquota não é pouco, é um quarto do valor de um produto fabricado.
Apesar de o imposto de renda sobre pessoa física ter alíquotas progressivas, ainda que defasadas (7,5% a 27,5%), ele oferece brechas para pessoas de renda muito alta praticarem elisão fiscal, legalmente, para abater o tamanho da carga tributária sobre seus rendimentos. Diante das mudanças das relações de trabalho que ocorreram nos últimos 20 anos, o IRPF é um sistema eficiente para arrecadar de quem tem emprego formal como fonte de renda, mas benefícios, como não tributação de dividendos, abre vantagens para quem mais tem. Em estudo publicado pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais (Anfip), a alíquota efetiva para quem ganha acima de 30 salários mínimos cai para 1,78%.
Ao mesmo tempo, além de alíquota de 15% sobre o lucro, as empresas gozam de leniências tributárias que alcançam em torno de R$ 350 bilhões por ano. A indústria de bebidas adoçadas, por exemplo, recebe quase R$ 4 bilhões em subsídios e incentivos fiscais para criar produtos que novo estudo científico – efetuado por 15 anos – associa a crescimento de risco de morte. Este é um caso emblemático para tributos seletivos que desencorajem as pessoas a consumirem com tanta frequência produtos que prejudicam a saúde, causando diversas doenças crônicas não transmissíveis.
Portanto, uma reforma tributária que toque nesses e outros problemas do atual sistema é bem-vinda, pois pode ser a chance de elaborar um sistema que apoie a implementação dos objetivos do desenvolvimento sustentável, seguindo as direções acordadas na Agenda de Ação de Adis Abeba. Este seria um passo na direção de um Brasil menos assimétrico por erros sistêmicos de políticas tributárias injustas. O debate será grande. Cinco propostas mantêm o crescimento da desigualdade como política fiscal com o falso argumento da simplificação. Uma nova proposta entra na disputa. Uma reforma tributaria solidária talvez seja exatamente o que o país precisa em tempos tão polarizados.
Claudio Fernandes é economista da Gestos, da ACT Promoção da Saúde e do GT Agenda 2030.