Durante algum tempo, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foi negligenciado pelas escolas, principalmente por causa da resistência dos professores quanto ao discurso subjacente ou implicado nas competências e habilidades. Com a adesão das universidades públicas à utilização da nota individual do aluno em tal exame como forma de acesso ao curso superior, o número de participantes passou dos modestos 115 mil de 1998 para os 8,7 milhões neste ano de 2014.
Com a expectativa do MEC quanto à adesão da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em 2015, apenas três das 63 instituições federais não participarão do Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Ainda assim, todas usam o Enem, pelo menos como parte do seu processo de seleção. Em janeiro de 2014, o número de vagas oferecidas foi de 171 mil.
As novas configurações do Enem, sobretudo em relação à junção de dupla avaliação, a do ensino médio e a que seleciona os alunos da educação superior, são criticadas por especialistas e pedagogos. Essa integração duvidosa, aliada à pseudoclassificação das escolas, desconsidera a diversidade de variáveis que podem influenciar o desempenho dos estudantes; além disso, resulta em modesto ou medíocre impulso para o urgente e necessário melhoramento da qualidade da educação nacional, segundo asseveram respeitáveis críticos.
A velha e tradicional oferta de cursinhos irrompeu; agora eles preparam para o Enem. Isso é auxiliado pela seleção e concessão de bolsas de estudo para "alunos bons de nota", bem como pela criação de CNPJ específico para alocar os "melhores alunos", configurando-se como prática recorrente e estratégia comercial por grande número de instituições educacionais. Com isso, reforça-se a falsa ideia de que o ensino médio cumpre a única função de preparar para a prova seletiva, sem nenhuma relação com a descoberta e construção de um projeto de vida para os alunos.
As concepções e metodologias mecanicistas adotadas por tais empresas da educação nos desafiam a perguntar: o que entendemos como educação de qualidade? O que seria uma boa escola? Que ensino médio é mais coerente para o projeto de educação que queremos?
Atentos a esse legado de respostas tortuosas, não podemos, no entanto, deixar de reconhecer a contribuição que o Enem vem acrescentando ao sistema educacional brasileiro. Em termos de quantidade, o exame revela uma dívida educacional muito alta. Hoje, num país com mais de 80% da população sem o ensino superior, pessoas de diferentes idades, etnias e condições sociais estão vendo que podem retomar os estudos.
Do ponto de vista da qualidade, o desempenho abaixo dos 50 pontos no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e os últimos lugares na prova do Pisa desafiam-nos a olhar para o Enem de forma menos simplista ou demagógica. Percebemos que, nos últimos anos, o Enem também está produzindo mudanças no processo educativo. Ao avaliar por competências e habilidades, ele provocou mudanças na prática pedagógica dos professores, levando à proposição de um currículo voltado para as exigências interdisciplinares dos conteúdos e mais articulado com as necessidades dos jovens que cursam o ensino médio. Os conteúdos, nessa perspectiva, não têm um fim em si, mas estão em função de objetivos mais amplos. O papel do professor e do aluno, por sua vez, transforma-se em vista da necessidade de preparar o aluno para a vida exigente de amanhã. Os processos avaliativos, igualmente, numa concepção formativa, além da finalidade métrica, têm o objetivo de regular o planejamento pedagógico e a gestão da sala de aula, em função da aprendizagem discente.
Nos próximos dias 8 e 9 de novembro, 8,7 milhões de estudantes farão a prova do Enem. Para aumentar a transparência dos dados e evitar comparações subjetivas entre as escolas, o presidente do Inep, Francisco Soares, diz que a forma de divulgar o desempenho das escolas será mudada. Tal atitude, urgente e necessária, precisa ser complementada por um olhar mais atento em relação aos resultados do Enem. Para que ele ajude a qualificar a educação brasileira, deixando de ser mera avaliação de larga escala, precisa valer-se de estratégias mais proficientes de gestão educacional.
Ir. Vanderlei Siqueira dos Santos é diretor geral da rede de colégios do Grupo Marista, composta por 18 unidades nos estados do Paraná, Santa Catarina e São Paulo, na cidade de Goiânia e no Distrito Federal
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