Os aprendizes de feiticeiro não percebem a dimensão das ameaças que fabricam. Por isso, eternos aprendizes, os ajuizados mudam automaticamente de ofício.
Antes mesmo de descoberto, o país tinha sua integridade territorial já garantida pelo Tratado de Tordesilhas, e até hoje essa tem sido a prioridade absoluta dos governantes. A construção, nesse espaço, de uma sociedade equitativa, capaz de garantir a sua intangibilidade e progresso, ficou sempre relegada ao segundo plano. De colônia espoliada a Reino Unido, de monarquia a república, e desta às mais diferentes e estúpidas formas de tutelagem, nosso tecido político manteve-se desfiado, fragilizado pelo horror das elites à isonomia e à igualdade.
O inimigo mais recente chega desembestado, açulado pelos mais desagregadores instintos: o corporativismo e seus bastardos o casuísmo e o revanchismo. Todas as crises que nesse momento se amontoam na pauta política, institucional, econômica e social estão intoxicadas pela mesma matéria-prima que nos anos 20 do século passado exibia-se gloriosamente como a obra máxima do fascismo italiano.
O corporativismo é uma construção medieval atualizada pela mente doentia de um ex-socialista chamado Benito Mussolini, cuja única ambição era reviver a pax romana: acabar com o debate político, a disputa social, a concorrência, o processo eleitoral e os demais instrumentos democráticos. No tapa, à base da truculência e da intimidação.
A ofensiva para manietar a suprema corte retirando-lhe o principal atributo de intérprete da Constituição, o esforço para emascular o Ministério Público (até há pouco a menina dos olhos das forças progressistas), a surpreendente reviravolta no processo eleitoral estrangulando as tentativas de ampliar o espectro ideológico (contrariando os recentes estímulos aos partidos de aluguel) e até mesmo o torpedeamento inicial da Medida Provisória dos Portos saíram dos mesmos laboratórios.
De forma coordenada ou por coincidência, fruto de um único bonapartismo ou de múltiplas jogadas individuais, obra de uma facção política hegemônica ou nivelada pelas piores vocações, o que se descortina no momento é um enorme território igualmente brutalizado pelo retrocesso.
Por influência talvez da deletéria telenovela Salve, Jorge, estamos nos assumindo como uma imensa Capadócia (no sentido moral), inspirados pela milongueira Cristina Kirchner, cuja única ambição é esconder suas rugas, banhas e liquidar o que há de inteligente, criativo e vital em seu país.
O ideal corporativo é um Estado anestesiado, inerte, incapaz de reagir às provocações e perigos. A atual sanha corporativista-revanchista, além de rudimentar, deixa mal a nossa presidente Dilma Rousseff, que há poucas semanas, certamente inspirada por algum adversário de Maquiavel, sugeriu que antes das eleições vale o diabo. Depois, vota-se em paz.
A Itália entregou-se ao diabo em 1922 e nele está enredado até hoje.
Alberto Dines é jornalista.