A discussão em torno do aborto ganhou destaque recentemente no noticiário nacional devido à propositura, pelo PSol, da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, sob relatoria da ministra Rosa Weber, cujo objetivo é a descriminalização do aborto até a 12.ª semana de gestação.
O primeiro fato a ser esclarecido é o foro adequado para se discutir o tema do aborto: o Congresso Nacional. Esta onda de ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal (STF) tem provocado consequências danosas para a própria democracia, por criar um superpoder que tem sistematicamente ignorado os anseios e a vontade popular em diversos temas e, portanto, viola a separação de poderes ao usurpar a competência do Congresso.
O STF não é o local adequado para que se discuta o tema do aborto, pois carece da legitimidade popular outorgada pela força do voto aos parlamentares. O STF deveria apenas cumprir o seu papel de julgar, jamais o de legislar, atuando como um verdadeiro guardião da Constituição, e não o de um seu subversor.
A ética de uma sociedade baseada no valor da liberdade individual deve assegurar o direito à vida
Mas, como o STF pretende seguir em frente com seu ativismo, dezenas de milhares de curitibanos irão às ruas no próximo dia 15 de setembro para pedir que os ministros rejeitem o pedido do PSol e mantenham a legislação atual sobre o aborto. A manifestação está sendo liderada por várias igrejas, e por isso a militância pró-aborto tentará nos fazer acreditar que a defesa da vida é uma pauta religiosa, ou baseada apenas em dogmas religiosos. Isso não é verdade, e há razões jurídicas, científicas e éticas suficientes pelas quais a proteção do nascituro é algo que deve interessar a todos nós, independentemente de crença religiosa.
No mérito da discussão, existe uma falsa dicotomia entre a defesa da vida e a da liberdade individual (das mulheres, no caso). De acordo com a argumentação pró-aborto, o direito de uma mulher realizar o aborto decorre do fato de que o seu corpo é propriedade exclusivamente sua, pelo que teria direito de realizar o aborto custeado pelo Estado de modo legal e em segurança. No entanto, isso é um equívoco primário, pois o feto não é propriedade de alguém, e seu corpo não se confunde com o da mãe; pelo contrário, é uma vida humana distinta e inocente que se encontra numa posição vulnerável na relação do trinômio pai-mãe-feto, razão pela qual este deve ser protegido e tutelado pelo Estado.
Outra questão relevante para o debate é a do início da vida, sobre a qual, definitivamente, não existe consenso científico. Diversas correntes consideram o início biológico da vida humana no momento da concepção. Para outras, a vida humana se iniciaria apenas com o desenvolvimento do sistema nervoso central ao exercer funções neurológicas e psicológicas. Outras, ainda, defendem que o início da vida seria derivado da posterior formação dos órgãos.
Opinião da Gazeta: Déspotas esclarecidos (editorial de 1.º de agosto de 2018)
Se há tal divergência, por que, então, a afirmação de que o aborto poderia ser feito até a 12.ª semana gestacional é falaciosa? Ora, na falta de consenso científico a respeito do início da vida, é intuitivo que a tutela mais adequada e razoável é a que se dá desde a concepção. Além disso, a liberação do aborto até essa fase gestacional pode consistir em precedente perigoso, por poder futuramente justificar a sua ampliação para idades gestacionais mais maduras.
A realização do aborto, assim, esbarra em justa proibição fundada em razões de ordem ético-moral. O argumento da liberdade não impressiona, pois os indivíduos, ao exercerem suas liberdades, devem fazê-lo com responsabilidade, como atestava o Nobel de Economia Milton Friedman. Neste mesmo sentido, a visão do médico e político libertário americano Ron Paul retrata o fato de que os pais, ao conceberem uma criança, ainda que em um momento indesejado da vida, não podem em hipótese alguma prejudicar sua liberdade e desenvolvimento. Trata-se de uma vida de um inocente, membro da comunidade moral desde a concepção, que não tem qualquer culpa ou responsabilidade pelos atos de seus progenitores, conforme o filósofo Francisco Razzo também demonstra em seu livro Contra o Aborto.
Não é função do Estado promulgar leis ou, menos ainda, proferir decisões contra legem que liberem a prática de atos que geram consequências danosas a terceiros, especialmente quando se trata de terceiros indefesos, como no caso em questão. A utilização, neste caso, da coerção estatal para justificar o fim de uma vida humana inocente não encontra qualquer sustentação dos pontos de vista lógico e ético, tratando-se apenas de construção retórica. A ética de uma sociedade baseada no valor da liberdade individual deve assegurar o direito à vida, fazendo com que o Estado seja, inclusive, o seu garantidor.