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O pedido de destaque é a requisição de um ministro do Supremo ou das partes envolvidas no processo para que este seja retirado do plenário virtual e o seu julgamento passe a ocorrer no ambiente presencial, reiniciando todo o julgamento. Com isso, os votos juntados pelos ministros também são zerados. Este é um novo procedimento adotado pela corte, e sua otimização está ocorrendo aos poucos, conforme surgem os obstáculos processuais. Aqui trago ao debate a emblemática Revisão da Vida Toda (Tema 1.102 do STF), pois surgiram atos processuais que demonstram a urgente necessidade de mudanças no pedido de destaque e no plenário virtual, aperfeiçoando ainda mais este importante meio tecnológico, que trará um prazo mais célere nos julgamentos e também os tornará menos custosos.
O pedido de destaque se mostra como instrumento capaz de contribuir para a produção de um julgamento mais deliberativo, que busca aumentar a troca de argumentos e informações sobre o caso, também trazendo a atenção dos ministros quanto a ele. Este mecanismo é de grande valor para a ampliação do debate, ainda mais em questões tão importantes como a Revisão da Vida Toda. Neste processo previdenciário ocorreu uma grande produção de provas, incluindo a juntada de sustentações orais por todas as partes e amigos da corte, parecer pelo desprovimento do recurso elaborado pelo procurador-geral da República, diversos memoriais aos gabinetes com seus respectivos despachos, nota técnica do INSS com informações sobre o custo da ação para seus cofres, votos pelo desprovimento do recurso extraordinário com suas fundamentações e, também, o voto divergente do ministro Kassio Nunes Marques.
O voto do ministro Nunes Marques adentrou nas questões levadas pelas partes, e isso demonstrou a profundidade do debate trazido ao Supremo, deixando-o confortável para declarar sua decisão. Todas as partes conseguiram exaurir a produção de provas para a elucidação do tema, deixando os ministros convictos para proferirem seus votos acompanhando ou não a fundamentação do relator, pelo desprovimento do recurso do INSS.
Este processo já estava com 11 votos juntados, inclusive o do ministro divergente que solicitou a anulação do julgamento. E um detalhe chama a atenção: um julgamento com um novo colegiado, desconsiderando assim o voto do ministro relator, que se aposentou no fim de 2021 e foi favorável aos aposentados. Temos aqui um caso em que o ministro já havia votado, todo o colegiado havia se pronunciado e faltavam apenas 21 minutos para o encerramento da questão. Um processo que afeta a vida de milhares de idosos brasileiros que por anos aguardavam a concretização do seu direito.
Isso causou preocupação para os juristas, pois um perigoso precedente estava sendo criado, com a possibilidade de diminuir a importância do colegiado: um integrante da corte, desafeto da solução trazida pela maioria, pode anular todo o trabalho já realizado. Além do mais, isso passa a afetar a credibilidade da corte e traz também grande insegurança jurídica ao cidadão.
O pedido de destaque deve ter uma motivação, mesmo que mínima, que fundamente a sua requisição e, posteriormente, a aceitação do órgão; este é o entendimento externado pelo ministro Nunes Marques em suas decisões. Na ADI 6.630/DF, da qual é relator, indeferiu pedido de destaque feito pela parte, dentro do prazo legal, para que o julgamento ocorresse em plenário presencial. Sua fundamentação foi a de que o julgamento continuasse em plenário virtual, pois “2. O fato de ocorrer em ambiente virtual não restringe nem desqualifica a análise da demanda. Alterações foram recentemente promovidas no Regimento Interno a fim de aproximar, tanto quanto possível, essa modalidade de julgamento do realizado presencialmente”. E continuou afirmando que “os ministros possuem amplo acesso às peças processuais, e os votos são disponibilizados, à medida que proferidos, no sítio eletrônico do Tribunal. Ausente excepcionalidade a justificar o acolhimento da pretensão, mostra-se oportuno o exame do mérito. 3. Indefiro o pedido formalizado”.
Portanto, o próprio ministro, de acordo com o intuito da norma, entendeu que o pedido de destaque necessita de uma excepcionalidade. E não ocorreu qualquer exceção, nova prova ou ato processual que justificasse este pedido na Revisão da Vida Toda. O fato de o colegiado votar diferentemente do que um ministro espera não é motivo de anulação de julgamento, e deve ser respeitada a vontade da corte. Não existe excepcionalidade no REsp 1.276.977 que justifique o seu pedido, a não ser a juntada da maioria dos votos contrários ao que o ministro entende o correto para a solução da lide.
Notem como este processo se mostra emblemático, pois teve em sua relatoria o ministro aposentado Marco Aurélio, que, após exaustiva produção de provas, fundamentou sua decisão contra o INSS. Sua decisão se pautou em precedentes da corte e também em princípios fundamentais previstos na Constituição Federal de que falaremos a seguir, dentre eles a segurança jurídica. A votação ser interrompida e recomeçada do zero tira todo o trabalho e estudo realizado pelo relator. E vou além: ela se mostra um desprestígio ao processo e demais ministros que terão seus votos anulados. Ficou evidente que a decisão do colegiado passa a ter um peso menor que o pedido realizado pelo ministro Nunes Marques, que não concordou com a solução da corte na matéria. A resolução se tornou mais forte que o regimento interno, e a vontade unitária prevaleceu sobre a dos demais.
Aqui trataremos de alguns pontos que devem passar por reanálise do STF em sua Resolução 642, e o primeiro é a preclusão consumativa do pedido de destaque, que deve ter um limite temporal para que ministros exerçam sua prerrogativa de requerer a mudança de plenário. Para as partes existe o prazo de 48 horas antes do início da sessão, e deve ser deferido pelo relator. A preclusão consumativa é medida impositiva ao pedido realizado após a juntada de voto, pois deve ser realizada antes ou durante o seu voto, e não posteriormente (exceto se ocorrer fato novo que o motive, conforme abordaremos a seguir). E aqui iremos além, pois no caso da Revisão da Vida Toda foi solicitado o destaque após a juntada dos 11 votos, tendo conhecimento do resultado final, ferindo frontalmente a segurança jurídica e a credibilidade das decisões do plenário.
O segundo ponto a ser analisado pelo STF para que o pedido de destaque atenda aos princípios gerais da administração pública é a necessidade de motivação e fundamentação, com posterior análise pelo relator, que poderá ou não deferir a requisição. Como o julgamento em plenário virtual deve se tornar uma realidade mais presente que o físico e presencial, é vital adequarmos a resolução para que a mesma não se sobreponha a regimentos, códigos e princípios. O pedido de destaque deverá ser reestruturado para respeitar os princípios administrativos: moralidade, finalidade e motivação, para não acabar se tornando um ato que não condiz com o espírito e a finalidade da norma. De forma muito clara, ficou constatado que, ao ter seu voto divergente não sendo seguido pela maioria da corte, um pedido de anulação do julgamento foi solicitado. E esta anulação, pela Resolução 642, não precisa ser fundamentada e posteriormente passar pela admissão do relator ou presidente.
Para Gaston Jèze, a atividade dos agentes administrativos, no exercício da competência, somente pode ter por motivo determinante o bom funcionamento do serviço público. Este é um princípio basilar no direito administrativo. No Brasil, a teoria dos motivos determinantes é utilizada para a situação em que os fundamentos de fato de um ato administrativo são indicados pela motivação, hipótese na qual a validade do ato depende de uma justa motivação para a prática do ato. Para que ocorra a anulação de um julgamento é medida necessária que haja tal exigência legal.
A teoria dos motivos determinantes afirma que o motivo apresentado como fundamento fático da conduta vincula a validade do ato realizado pelo servidor público. Assim, havendo comprovação de que o alegado pressuposto de fato é falso ou inexistente, o ato obrigatoriamente torna-se nulo. E neste pedido de destaque, em específico, não existe nenhum novo argumento que o justifique, devendo este ato ser considerado nulo.
Em um processo no qual está em jogo a defesa do preceito fundamental da segurança jurídica constitucional, isso traz um abalo também na segurança jurídica das decisões da corte. No caso de um cenário que possa indicar uma possível derrota, qualquer ministro pode pedir destaque para zerar uma votação desfavorável a si. Ele passa a se tornar um recurso do julgador contra uma decisão formada pela maioria. É o “recurso de ministro contra seus pares”. Seria uma perigosa inovação processual o ministro que teve seu voto vencido buscar reverter votos contrários a seu posicionamento por meio de anulação/veto. Este mecanismo trará ofensa ao princípio da colegialidade, segurança de legitimidade democrática. Mostrou-se evidente que a decisão do colegiado passa a ter um peso menor que o pedido realizado por um ministro, caso ele não concorde com a solução da corte na matéria. O pedido de destaque deve passar por novos questionamentos, dentre eles: segurança jurídica, devido processo legal e princípio do juiz natural.
O terceiro ponto a que fazemos menção, e possivelmente o mais importante: os votos já juntados de quem não faz mais parte da composição da corte devem ser mantidos, por uma imposição processual e regimental. O RISTF possui força de lei, e a resolução não pode prevalecer sobre este, caso o pedido de destaque seja acatado e o julgamento venha a ocorrer em plenário presencial. O regimento interno da corte superior é lei material, por disposição da Constituição Federal, e prevê em seu artigo 134, § 1.º (Título III – Das Sessões, Capítulo I – Disposições Gerais) que, reiniciado o julgamento depois de vista dos autos pedida por qualquer dos ministros, “serão computados os votos já proferidos pelos ministros, ainda que não compareçam ou hajam deixado o exercício do cargo”.
Inaceitável que a resolução tenha força de se sobrepor ao Regimento da corte e, caso um ministro que já votou deixe seu cargo, o seu voto deve permanecer. Se isso não for respeitado, passamos a ter até mesmo o poder de escolha do colegiado quando um ministro requer o destaque, pois no próximo ano teremos mais dois ministros se aposentando. Pensem na situação hipotética: se em um julgamento por 7 votos a 4, havendo dois votos vencedores declarados por ministros que irão se aposentar, o pedido de destaque pode trazer ao ministro que teve a sua tese vencida novas forças, pois dois novos integrantes passarão a compor a corte. O pedido de destaque pode ser perigoso a toda decisão dada pelo colegiado, caso um ministro possa vetar a decisão de outros seis ou mais, aguardando nova formação do colegiado para lhe garantir a vitória. Ele não pode ser utilizado de maneira estratégica, possibilitando vetar uma decisão que se mostra consolidada, como foi o caso da Revisão da Vida Toda, em que todos os votos já estavam disponíveis e publicados.
Vale destacar, também, para a manutenção do voto do ministro aposentado, o Código de Processo Civil, que afirma em seu artigo 941, § 1.º: “O voto poderá ser alterado até o momento da proclamação do resultado pelo presidente, salvo aquele já proferido por juiz afastado ou substituído”. O texto previsto no CPC permite a alteração do voto, porém isso não será possível no caso de juiz afastado ou substituído, o que ocorreu neste processo. Pelo fato de a deliberação colegiada já ter iniciado, o seu voto deve ser preservado, mostrando-se de acordo com o princípio da unidade da decisão do colegiado, porque o julgamento se inicia com o voto do relator. Uma vez proferido o seu voto, o julgamento apenas se encerrará com a proclamação do resultado. Como o julgamento é uno, a resolução não pode desconsiderar o julgamento anterior como ele não tivesse acontecido.
O texto infralegal não pode ignorar o artigo 941 do CPC, pois o pedido de destaque busca a retomada do julgamento em plenário presencial, e não o reinício. Temos clara interpretação processual (941, §1.º) e regimental (134, §1.º) que se sobrepõe à Resolução 642.
Na ADI 6.630/DF foi apresentada questão de ordem na qual a parte requereu a reiteração das sustentações orais, em razão de pedido de destaque apresentado pelo ministro Alexandre de Moraes. Os atos que ocorreram no plenário virtual foram confirmados novamente, dentre eles as sustentações orais. E aqui ressaltamos a fundamentação utilizada pela ministra Cármen Lúcia: “Digamos que tivesse havido ali, nos votos que já foram tomados, alguém que se aposentou, que na minha compreensão do Regimento não permite sequer o destaque, porque o Regimento impede esse tipo de situação. O voto tomado do aposentado, que estava no exercício regular, não pode ser desfeito”. Note que a corte privilegia este entendimento de manutenção, não podendo muito menos o voto de um ministro ser desfeito.
Entendo ser o ponto de manutenção do voto o mais sensível e preocupante, pois a resolução se tornaria mais forte que o regimento interno e o CPC caso o voto do relator seja desconsiderado e o julgamento se inicie do zero com uma nova composição. Isso ainda estaria se sobrepondo a princípios como o do juiz natural, da unidade da decisão do colegiado e do devido processo legal substancial – a garantia de que as leis sejam concebidas e definidas respeitando a legislação processual, estando de acordo com os interesses sociais e os fundamentos do Estado Democrático; portanto, novas leis e resoluções não podem ser concebidas de forma contrária aos interesses da população e do Estado Democrático.
Na Revisão da Vida Toda, o processo teve seu regular andamento em plenário virtual e corrigiu uma injustiça com o aposentado, aplicando o seu entendimento principiológico de que “jamais uma regra de transição pode ser mais desfavorável que uma regra permanente”. Este já era o posicionamento da corte em plenário presencial, merecendo destaque o trecho do RE 524.189, com relatoria do saudoso ministro Teori Zavascki, julgado de forma unânime: “As regras de transição editadas pelo constituinte derivado são na verdade mais gravosas que a regra geral inserida na EC 20 de 1998”. E continua: “a própria regra de transição da aposentadoria proporcional, por absurdo, continha requisitos não previstos no texto legal do que a aposentadoria integral”. O tribunal sempre enxergou como um absurdo tal ocorrência, e possui extenso conhecimento sobre a matéria, entendendo que as regras de transição devem abrandar efeitos, nunca trazer prejuízos ao segurado. Encontramos até mesmo na exposição de motivos do Projeto da Lei 9.876/99 que a regra transitória esculpida pelo artigo 3.º teria a função teleológica de favorecer o segurado já filiado ao INSS antes da sua vigência.
Este anseio se encontra em evidente harmonia com a finalidade típica das normas de transição trazidas pelas modificações previdenciárias de 1999, que possuem por finalidade trazer segurança jurídica para as relações. O Supremo Tribunal Federal havia cumprido o papel de aplicar corretamente o desejo do legislador, tornando mais branda a transição de uma legislação mais austera para o segurado que já estava por décadas pagando para aposentar-se. Aqui também destaco que não houve inovação em seu entendimento, pois este já estava consolidado por uma década no RE 630.501 do Rio Grande do Sul (julgado com repercussão geral), que entendeu a possibilidade da aplicação do melhor benefício, se este ocorre dentro do mesmo regimento legal. Este posicionamento foi também garantido por unanimidade pelo STJ e no parecer favorável do procurador-geral da República na Revisão da Vida Toda. Portanto, o tribunal tinha total conhecimento da matéria levada a plenário virtual; nenhum ministro necessitou de maiores esclarecimentos durante o julgamento e nem mesmo nos oito meses em que os autos se encontraram sob pedido de vistas.
A Revisão da Vida Toda foi um marco alegórico para a Resolução 642/2019, pois colocou seus holofotes na problemática trazida pelos pedidos de destaque no plenário virtual, demonstrando que este instrumento precisa de regulamentação para não criarmos um perigoso mecanismo infralegal que possibilite o desprezo as decisões da maioria da corte. A função do colegiado é promover o dissenso, a divergência e a contradição, onde a vontade da maioria deve sempre prevalecer, mesmo que um ministro seja divergente a ela.
João Badari é advogado especialista em Direito Previdenciário.