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A revolta do Grupo Wagner e as rachaduras escondidas do Kremlin de Putin

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, discursando na reunião com o presidente da Argélia, Abdelmadjid Tebboune, em um encontro que ocorreu em Moscou no dia 15 de junho. (Foto: EFE/EPA/MIKHAIL METZEL/SPUTNIK/KREMLIN POOL)

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Os poderes de Vladimir Putin, presidente da Rússia, estão muito além das tradicionais democracias ocidentais. Dirigindo um poder praticamente absoluto nas últimas décadas, desenhou, de forma única, um modelo de autocracia que lhe confere autoridade, poder e controle do sistema político russo. Evidentemente, é impossível erguer um império de poder pessoal sem abrir flancos de resistência e os mais notórios começaram a aparecer.

O desafio lançado por Yevgeny Prigozhin pode ter sido o primeiro, porém está longe de ser o último e esse é o grande desafio que Putin tem diante de si. Assim como vários oligarcas, Prigozhin sentiu o seu núcleo de poder ameaçado e reagiu. O impacto de sua revolta foi ouvido no Ocidente em razão da guerra travada na Ucrânia e o denso poderio militar organizado por sua milícia, o Grupo Wagner.

As rachaduras no Kremlin foram expostas. Resta saber se o autocrata resiste ao perigoso e intricado jogo desenhado em torno de sua figura.

Os tentáculos da Rússia se espalham por diferentes países onde o Wagner possui um papel estratégico, passando por Sudão, República Centro-Africana, Mali, Sri Lanka, Síria, Venezuela, Moçambique, Líbia e mais recentemente na Ucrânia. Porém, a ação de milícias russas para além do Grupo Wagner chega até o Chade, Congo, Belarus, Nigéria, Madagascar, Iêmen, Iraque, Afeganistão e outras frentes. Essas milícias isolam a Rússia de qualquer envolvimento direto em conflitos, porém, na prática, agem sob o comando direto de Moscou.

Para além de guerras, Putin desenhou de forma meticulosa a entrada da Rússia em um círculo internacional restrito, atraindo uma Copa do Mundo, corridas de Fórmula 1, Jogos Olímpicos de inverno e uma série de eventos esportivos como forma de fornecer uma espécie de soft power ao Kremlin. Uma estratégia bem-sucedida que, aliada ao alto preço do petróleo, fez com que o investimento russo escalasse e tornasse o país o eixo de poder da Ásia Central, retomando sua grande influência política nos antigos países soviéticos.

Putin foi além e atraiu nomes do Ocidente para fazer parte do conselho de empresas de seu país. Os russos criaram, inclusive, o termo Schröderizatsiya, que significa “líderes ocidentais que deixam cargos e criam laços com regimes autoritários e cleptocráticos”. A expressão está ligada ao alemão Gerhard Schröder, conselheiro na petrolífera Rosnefte e no comitê da Gazprom; ao francês François Fillon, que escolheu os Conselhos da petrolífera Zarubezhneft e da petroquímica Sibur; além de ser comumente associada a um ex-presidente da Polônia, um ex-Primeiro-Ministro da Finlândia e a uma linha inteira de políticos austríacos, todos ligados diretamente ou indiretamente a Putin ou aos interesses de países satélites da Rússia.

Porém, o cálculo de invasão da Ucrânia desmontou um castelo de cartas construído de forma meticulosa. Os embargos ocidentais, somados ao movimento avassalador de saída de empresas da Rússia fizeram a credibilidade de Putin desabar na arena interna e internacional. Investimentos ruíram e os oligarcas tiveram suas fontes de renda comprometidas. Acredita-se que o descontentamento de Prigozhin é apenas a ponta do iceberg de grupos de oligarcas que podem cobrar muito caro por suas perdas. Além disso, não sobram nomes na interminável fila de pretendentes para substituir Putin. As rachaduras no Kremlin foram expostas. Resta saber se o autocrata resiste ao perigoso e intricado jogo desenhado em torno de sua figura.

Márcio Coimbra, cientista político e mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007), é coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (FPMB), e presidente do Conselho da Fundação da Liberdade Econômica.

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