A deputada Ângela Guadagnin teve os merecidos 15 minutos de fama, foi atalhada pelo ministro Antônio Palocci que não permitiu a continuação do atentando ao pudor através da exibição dos seus dotes coreográficos. Palocci fez bem a ela e mal a ele.
A fala do ministro nesta sexta-feira depois de 11 dias de silêncio é uma obra-prima de prestidigitação e malabarismo. Depois de descrever o paraíso econômico que ajudou a criar permitiu-se resvalar para o clima de exacerbação política e dele para o seu inferno pessoal.
Não foi feliz embora a retórica sossegada fosse idêntica à dos pronunciamentos anteriores. Desta vez faltou-lhe a proverbial varinha de condão capaz de converter o ceticismo ambiental em credulidade irrestrita.
Está evidente que entre Palocci e a sociedade brasileira cavou-se um fosso que será difícil de transpor: aquele médico do interior (cujo charme era a combinação de um discreto caipirismo e enorme dose de sensatez), simplesmente perdeu a credibilidade.
O ministro foi uma caricatura de si mesmo ao utilizar ostensivamente o subterfúgio. Das vezes anteriores, encarou os problemas, deu nome aos bois. Agora menciona ameaças à tranqüilidade, esquecido de que o seu Ministério da Fazenda através da Caixa Econômica e do Coaf são os protagonistas de uma violência sem precedentes desde a redemocratização.
A quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa e o vazamento dos dados confidenciais através da Polícia Federal configuram uma sórdida violação dos direitos políticos de um humilde cidadão que ousou contar o que sabia. E como se esta aberração não fosse suficiente para mostrar o grau de ressentimento oficial, outro órgão do mesmo Ministério da Fazenda, o Coaf (Conselho de Controle das Atividades Financeiras), resolve transformar a vítima em vilão ao iniciar uma investigação a pretexto de lavagem de dinheiro.
Esta investigação é ainda mais ilegal do que a quebra do sigilo bancário de Francenildo: o Coaf tem por obrigação examinar os cheques acima de 100 mil reais e o cheque que Francenildo recebeu do seu pai biológico não chega a 30 mil. Escancara-se um caso de perseguição política que só tende a desdobrar-se e agravar-se.
Dias antes, num surto demencial inexplicável, a senadora Ideli Salvati (PT-SC) pediu que fossem examinadas todas as gravações feitas pelas câmeras do Senado para flagrar alguma visita do caseiro a um gabinete oposicionista. A exacerbação política a que se referiu o ministro Palocci não caiu do céu, não aconteceu por acaso. É decorrência do esforço histérico e persistente do governo e do seu partido em enxovalhar Francenildo Costa e, assim, desqualificar aquilo que declarou.
No momento é esta a única exacerbação visível no cenário político e institucional. Sobre ela, o habilíssimo Palocci não pronunciou uma única palavra, ao contrário do candente pronunciamento do seu colega da pasta da Justiça que condenou com veemência o vazamento das informações bancárias do caseiro, deixando a sua Polícia Federal como única responsável pela ilegalidade.
Palocci apelou para um "re-equilíbrio do processo [político]", mas este re-equilíbrio depende exclusivamente dele. Enquanto o governo e o Ministério da Fazenda insistirem na perversa tentativa de pichação do caseiro, o piche tende a espalhar-se.
Este pegajoso subproduto do alcatrão tem atributos diabólicos. É um visgo rebelde. Pode grudar no alvo, pode grudar no alvejador.
Palocci que se cuide.
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