Desembargador Kassio Nunes Marques, indicado por Bolsonaro ao STF.| Foto: Ramon Pereira/Ascom-TRF1
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A partir de sua insuperável legitimidade democrática e representatividade política, a Constituição reservou ao presidente da República a exclusiva e intransferível atribuição de, entre os nomes possíveis, indicar aquele que melhor perfizer os plurais requisitos da magistratura suprema. Trata-se de escolha pessoal do presidente; cabe a ele, e somente a ele, nas silenciosas noites de reflexão, elevar seus pensamentos sobre o horizonte da nação, compreender os desafios institucionais do presente, vislumbrar o futuro almejado, espelhar-se nas melhores tradições do passado, e, assim, dar seu aval ao escolhido. Antes de pressa ou afobamento, o ato exige cautela, prudência e ponderação.

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Feita a indicação, o Senado será o tribunal competente para julgar e avaliar o apontamento presidencial. Pela invulgar relevância do cargo, a Constituição elegeu um critério dual, unindo o Executivo e o Legislativo na alta responsabilidade decisória. Cumpre ressaltar que a função pode ser exercida por décadas antes da aposentadoria compulsória; seus efeitos perdurarão no tempo, exaltando acertos e petrificando erros. Logo, quanto ao ponto, a sabedoria política há de ser maiúscula, não permitindo improvisações.

Lamentavelmente, ao contrário da experiência americana, a sabatina senatorial tem sido, no Brasil, um evento protocolar; em vez de honrar sua função política com seriedade e verticalidade, a casa legislativa tem aceitado um triste papel subalterno ao Planalto, como se fosse um mero carimbo de ratificação presidencial. Tal complacência demasiada, além de amesquinhar a Constituição, avilta a própria dignidade do parlamento, que acaba por malferir uma de suas mais nobres responsabilidades institucionais.

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Sim, o fato vem de longe. O grande Carlos Maximiliano, em seus insuperáveis comentários à Constituição (edição de 1929), já assinalava que “infelizmente, a maior parte das nomeações se fez para galardoar serviços políticos”. Todavia, com o definitivo estabelecimento da República e a efetiva consolidação da democracia, os miúdos interesses da política deveriam ser progressivamente alijados dos requisitos da suprema indicação. Além de predicados de inteligência e compreensão da realidade, a escolha há de adentrar no inegociável terreno da ética, da decência, da integridade, da coragem e da independência pessoal.

Ora, o juiz constitucional é aquele que será chamado nas horas mais escuras e nas crises republicanas mais severas, devendo atuar com absoluta firmeza e altivez sobre fatos de profunda sensibilidade social. Tão sensíveis que, não raro, transpõem as naturais forças de composição política que, enredadas em discussões intermináveis, precisam de um tribunal supremo para – à luz de preceitos de justiça, legalidade e patriotismo – equalizar o problema posto, garantindo a necessária harmonia e funcionalidade entre os poderes constituídos.

Aqui chegando, a hora se levanta para homenagear a história e, assim, reviver bela página política do Senado da República. Quando da aposentadoria do ministro Cunha Peixoto, o professor Alfredo Buzaid foi indicado ao egrégio STF. A escolha, frisa-se, recaiu sobre uma personalidade das mais distintas, ex-ministro da Justiça e um dos maiores processualistas do direito pátrio. Juridicamente, a escolha era irretocável.

Acontece que, em discurso de 17 de março de 1982, o então senador Paulo Brossard foi à tribuna analisar a referida indicação presidencial; após festejar a amizade e os inegáveis méritos intelectuais do ilustre jurista paulista, Brossard fez lembrar que o indicado havia sido titular da pasta da Justiça em momento crítico aos direitos humanos, garantias fundamentais e ao próprio espírito democrático; por assim ser, não se poderia ignorar fatos políticos que, a seu juízo, desaprovariam a escolha no âmbito senatorial.

Os fatos tiveram curso natural e o desfecho é por todos conhecido. Todavia, o contraponto está em página de relevo do parlamento brasileiro. Aliás, não se diga que a postura do ilustre homem público gaúcho ocorria por oposição sistemática ao governo. Não, definitivamente, não. Isso porque, quando da indicação do desembargador Pedro Soares Muñoz, doutor Paulo havia votado ostensiva e abertamente a favor do nome escolhido. Ou seja, é função do Senado analisar caso a caso com rigor, livre de paixões políticas e com olhos centrados no horizonte da nação.

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Que o processo ora em curso para a substituição de Celso de Mello seja um momento de elevação institucional do Planalto e do parlamento. O Brasil e os brasileiros merecem respeito. Antes de interesses políticos menores, o que deve prevalecer é o bem da República que, decididamente, exige um país com justiça, ética e respeito à lei.

Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr. é advogado e conselheiro do Instituto Millenium.