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A morte anunciada de Aluízio Alves, às vésperas de completar 85 anos, depois de longa sucessão de enfermidades, desencadeou em Natal uma onda de emoção que cresceu lentamente, encorpou com a adesão espontânea da corrente popular que varou a noite no velório do corpo, no Salão Nobre do Palácio do Governo e virou multidão que ocupou as calçadas em todo o trajeto funerário que, durante horas, percorreu ruas e avenidas da bela e moderna capital do Rio Grande do Norte.

Nada fora organizado, sequer previsto. No primeiro momento, a perplexidade dissolveu-se na lembrança dos mais velhos, veteranos das campanhas políticas das décadas de 50 e 60, como reprise de filme antigo, com as cores desbotadas pelo tempo e as debilidades da memória. Muitos choraram ao ver passar do carro de bombeiro conduzindo o caixão ao cemitério. O verde da esperança voltou a colorir a cidade, com ramos de arbustos sacudidos no adeus: os bonés, escudos, ventarolas, cartazes de relembradas campanhas foram retirados dos baús e exibidos na lapela, enfiados na cabeça, fixados nas paredes, portas e janelas.

Multidões de milhares que caminhavam dias emendado com a noite, em maratonas de dezenas de quilômetros pelas estradas, com a renovação dos que entravam e dos que saiam, vencidos pelo cansaço, agora acompanhavam o corso de automóveis, de caminhões, de motos, de bicicletas que seguiam o cortejo fúnebre, um dos maiores de todos os tempos na crônica de Natal.

Estranho e intrigante que além dos veteranos da antiga rivalidade que despertou com o choque da morte do líder – no ocaso depois de vitórias e derrotas num tempo que não era o seu, sumido das manchetes, com a saúde em declínio, deprimido desde a morte de Ivone, a esposa que passou por este mundo como um turbilhão de alegria anunciado pela gargalhada ruidosa – e tirou de casa gente de todas as idades: moços picados pela curiosidade e crianças seguindo os pais, misturavam-se ao povo que sabia porque estava chorando.

Deponho como testemunha. Vi, não me contaram. Depois da derrubada da ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, em 29 de outubro de 1945, na fase dourada da experiência democrática que aí se inicia para sucumbir com a recaída da ditadura militar no rodízio dos generais-presidente, em 1.° de abril de 1964, as campanhas políticas mais criativas, mais inteligentes, com as mais entusiásticas mobilizações populares, renovadoras e alegres, juntando povo de todas as classes sociais, foram as do Rio Grande do Norte.

E o pioneiro, o líder que desvendou o segredo da comunicação com o povo foi o jovem Aluízio Alves, o mais moço dos constituintes aos 24 anos e o último a morrer dos signatários da democrática e maltratada Constituição de 1946.

Abriu a senda que outros seguiram. No teste de estréia da luta para a eleição a deputado à Assembléia Nacional Constituinte pela finada UDN, assassinada no crime do AI-2, de 27 de outubro de l945, no governo udenista do presidente Castello Branco, Aluízio foi cavar o voto na rua. A pé, percorreu todos os bairros e ruas de Natal, batendo às portas de casa em casa para expor e defender as suas idéias de uma revolução popular pelo voto.

Repetiu a fórmula em 1951, quando se reelege deputado federal pela UDN, e em 1958, quando é o mais votado do partido. Nos primórdios da sucessão do presidente Juscelino Kubitschek, em 1960, quando da eleição do biruta renunciante Jânio Quadros, os primeiros atritos que provocariam o rompimento de Aluízio com a liderança estadual poderosa de Dinarte Mariz, armam a polarização que dominaria a política do RN até a próxima ditadura fardada.

Dinarte manteve o controle da legenda udenista e, em lance esperto, marcou o racha, contrapondo ao verde de Aluízio o vermelho sanguíneo que coloriu a outra metade de Natal, com as bandeiras rubras tremulando nos telhados.

Foi um grande adversário, apesar das derrotas em 60 e 65. E do seu candidato impecável, extraordinária figura humana, culto, orador parlamentar incomparável, boêmio e amigo de todos, o deputado Djalma Marinho.

Mas, as caminhadas que reuniam multidões que seguiam o caminhão com aparelhagem de som rouquenho para as dezenas de improvisos de Aluízio, empolgante orador popular, com paradas de minutos em cada esquina em que o povo se juntasse, emendando dois, três dias sem pausa, inaugurou a novidade, o segredo do recado direto antes das simulações dos marqueteiros.

A doída saudade de um passado que juntou multidões nas ruas de Natal, para a despedida da emoção ilusória do reencontro, é a mesma que purguei na visita ao amigo Aluízio Alves na tarde de sábado, 29 de abril, uma semana antes de sua morte.

Rosto inchado pela medicação, desconfortável na cama larga, com dificuldades para ficar em pé ou andar dois passos, a cabeça lutava para manter a lucidez, com falhas de nomes e episódios. Visita de doente, de menos de uma hora.

Na despedida, o prognóstico cruel: "Acho que não chegarei aos 85 anos." E que completaria a 11 de agosto.

Ao sair, desabafei com seu irmão, Agnelo Alves: "Cada minuto que Aluízio viver só lhe promete angústia, sofrimento e dor".

Agnelo concordou. E caminhamos em silêncio.

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