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Imagem ilustrativa.| Foto: Pixabay

Parte 1. History-telling

Ben Bagdikian, jornalista que fez história na redação do Washington Post, produziu um livro que muito impressionou a todos que então vivíamos o mundo da comunicação: O monopólio da mídia. Estávamos em 1983, eu cursava o mestrado da Escola de Comunicação da UFRJ e o controle da informação jornalística concentrado em poucas mãos já era uma realidade. No mundo e também no Brasil. Em 1987, a obra ganhou uma segunda edição e o “monopólio” (na verdade um oligopólio) já ainda mais se concentrara. A internet comercial não existia.

O número varia, mas é sempre diminuto quando se responde à pergunta “quantas famílias controlam a mídia?”. Um aspecto que Bagdikian iluminou com seu livro foi o fato de que os conglomerados de comunicação – que eram grandes, sim – estavam sendo “adquiridos” por conglomerados outros, muito maiores, tais como os da mineração, da energia e da telefonia (apesar das barreiras regulatórias – que, infelizmente, só fazem desmanchar, ano após ano, ao redor do mundo).

De lá para cá, muitos fatores modificaram completamente o universo da comunicação de massa (ao jargão “meios de comunicação de massa”, os frankfurtianos preferiam “indústria cultural”, mas esta é outra história). Talvez o mais relevante deles seja o surgimento da internet comercial, circa 1995. Naquele ano, o meio rádio e o meio cinema já eram centenários, e a televisão, uma cinquentona. E não é que a world wide web, no vigor de seus 25 anos, veio para bagunçar tudo?

(Esta é a história muito resumida da primeira onda da era da comunicação. Seu dístico é a expressão cunhada por Marshall McLuhan: “o meio é a mensagem”.)

Parte 2. Década 1995-2004

Nesse período a mídia foi se hibridizando, com “edições digitais”. A televisão na web, webTV; o rádio na web, webrádio; jornais e revistas passaram também a ter versões digitais com o mesmo conteúdo das edições impressas. Surgem portais web “puros”, tais como Aol, Yahoo!, Uol e Terra. E, dentro desses portais, muitos produtores de conteúdo da mídia “analógica” passam a ser publicados.

Parte 3. Década 2005-2014

Alguns veículos deixaram para trás os suportes não digitais; a revista Bravo e o Jornal do Brasil são nossos exemplos marcantes desse período. Outros evoluíram mais e passaram a oferecer “produtos” digitais diferenciados, ou seja, jornais como O Globo e a Folha de S.Paulo, e revistas como a Veja, passaram a ter edições digitais que não mais eram “versões” idênticas das edições impressas. Tais veículos “puros” digitais ganharam a vida própria que têm hoje. As notícias, além de data, passaram a ter hora, minuto e segundo.

Parte 4. Hoje (pós-2015): a fonte é a mensagem

Então, chegaram os xodós atuais: as redes sociais. As pessoas, físicas e jurídicas, aderiram com força – muito por causa da gratuidade (hoje, a “cultura de gratuidade” é um tanto nefasta na opinião deste escriba), e os anunciantes ficaram (e ainda estão) perdidos. Tiros para todo lado vêm sendo tentados. Ninguém tem a resposta exata para a pergunta “algo é viral ou se torna viral?”.

Um tal de “marketing digital” (que, em minha visão, é hoje, ainda, uma disciplina em construção) chegou para abalar. E abalou. A chamada “mídia programática” (sic) – inteiramente baseada no aspecto randômico da web – ainda é desafio para media planners e programadores de algoritmos. Isto sem falar no fenômeno Sleeping Giants, de “chantagem digital”, que apareceu para complicar mais ainda a vida da propaganda.

Parte 5. Eumídia

“Produtores de conteúdo” – das pessoas jurídicas gigantes ao cidadão comum que quer vender seu carro usado ou “emplacar” seu invento genial via YouTube –, todos têm texto, voz, imagem e “mídia” próprias para difundir-se. Importante ressaltar que, nas redes sociais, o termo “próprias” é só força de expressão. Trata-se, sempre, de “casas alugadas”, algo muito diferente de um domínio (aí, sim, próprio) na internet – como o são um aplicativo, um website ou um portal.

Só que as joias da coroa da indústria criativa, as redes sociais, cresceram como veículos – sempre sem regulação –, como players-veículos de comunicação (a ponto de ter surgido o termo “mídia social” – uma imperfeita denominação que prefiro não utilizar), como locus de lazer e entretenimento (o maior segmento da indústria criativa na web é a dos games), e tais veículos se tornaram gigantes – também estes vítimas das sempre presentes fusões e aquisições do mundo dos negócios: ideias bacanas como as do YouTube (broadcast yourself) e Instagram foram adquiridas por Google (Alphabet) e Facebook, respectivamente.

O aplicativo de troca de mensagens WhatsApp (que deveria ter sido colhido por uma regulação que protegesse as empresas do setor de telecomunicações – outra história) também foi engolido pelo Facebook. O escândalo da Cambridge Analytica bem traduz o problema regulatório que ainda samba diante de nós – mas esta também é uma outra história.

Parte 6: O triunfo de Gramsci – ou quando as próprias pessoas tornam-se algozes de sua liberdade

Na ditadura do politicamente correto, é como se assinássemos nosso próprio mandado de prisão. E a ideia é punir – mais que a si mesmo – toda a sua ascendência, responsável direta por sua existência “errada”.

Curioso que numa das leis – não a dos homens, mas a dos autômatos, na antevisão de Isaac Asimov – o organismo cibernético não pode destruir a si mesmo. Já o indivíduo humano, com seu livre arbítrio – cantado em prosa e verso como virtude –, está autorizado a destruir-se em nome de uma moral global.

Os Estados-nação estabeleceram-se há séculos também com base na livre iniciativa de seus fundadores – essência da expressão (cada vez mais apagada) de “autodeterminação dos povos”. Cadê?

Triste sina do país da bota – onde floresceu a Roma Antiga, de belezas e vícios, onde se oficializou o cristianismo há 1.635 anos, donde saiu a nossa língua portuguesa, “inculta e bela” (como escreveu Olavo Bilac) – ter gerado Antonio Gramsci, de legado bem mais nefasto e perene que o da dupla de “parças” totalitários Karl Marx e Adolf Hitler.

Em livro de 2018, Auditoria Funcional da Comunicação Organizacional, inicio o prefácio dizendo: “Por uma revolução analógica...”. Na verdade, faço um chamado ao fator humano. Uma virada para a real transparência, a sustentabilidade, decisões colegiadas e condutas éticas – os quatro pilares de uma governança mais justa, feita por gente, não máquinas. Peter Drucker é a referência aqui.

Nós, comunicólogos, somos cientistas sociais. Ponto. Não opero com o conceito de Ciências Sociais “aplicadas”, rótulo atribuído à comunicação e também à administração. Esse termo “aplicadas” vem para rebaixar a nossa contribuição intelectual – algo indevido, em minha opinião. Somos operadores da comunicação, mas a nós cabe, também, refletir a par de operá-la. E apreciar a arte, para além dos conteúdos da cultura de massa em todos os tempos, para fomentar a nossa própria cultura e prover melhores escolhas – tanto éticas quanto estéticas.

Bom senso, discernimento e afastamento equidistante das paixões políticas também são atributos necessários para atuar profissionalmente na comunicação, pois, quando a mídia torce a verdade, distorce.

Devemos muito aos grandes veículos de imprensa, mas, com a perda do eixo central da informação para a internet, alguns tornaram-se menos utilidade pública e mais instrumentos a serviço do capital – tanto de acionistas como de anunciantes.

Parte 7: Vale a pena agir mal. Fraudar compensa

A simples recusa dos parlamentares norte-americanos em analisar os indícios de fraude nas eleições presidenciais de 2020 – que são muitos – frustrou o mundo livre. As cortes superiores (estaduais e federal) recusaram-se sequer a ouvir alegações de quem se sentiu traído. Não consideraram o testemunho de cidadãos que, sob risco de serem presos se cometido perjúrio, atestaram que houve fraudes às quais testemunharam. Um escândalo.

Eleitores mortos votando; votos de mais eleitores que moradores em vários condados; eleitores registrando-se para votar fora de seus estados de domicílio; cédulas eleitorais recebidas em casa quando não solicitadas – como define a lei; e o uso maciço de votação pelo correio (escancarado em alguns estados sob a égide da pandemia) são falhas muito graves no sistema que simbolizava a plena democracia dos Estados Unidos.

O fato de o Congresso deliberadamente não querer perscrutar as razões por que seis estados chegaram a enviar duas listas de eleitores, aceitando as encaminhadas por governadores e secretários de Estado em vez das encaminhadas pelo Poder Legislativo estadual – como estabelece a Constituição –, foi, também, algo grave demais.

Parte 8: Triste começo de um novo ciclo

Tudo isso é mau exemplo e mau presságio para um mundo que, aliás, sempre aceitou – de modo canhestro – irregularidades eleitorais. Em países da Federação Russa, na África do Sul, na Turquia, na Nicarágua, na Bolívia e na Venezuela. E do Brasil, o que será?

“A democracia é a pior forma de governo, com exceção de todas as demais.” Talvez um “era” deva passar a substituir o “é” na famosa e enigmática frase de Winston Churchill. Em tempos orwellianos como os que hoje vivemos, reescrever a história é do âmbito do “novo normal”.

Fato: a sanha por não regulação e a cultura de gratuidade geraram monstros piores que a mídia oligopolística da primeira onda.

(Esta é a história muito resumida da segunda onda da era da comunicação. Seu dístico é a expressão cunhada por Jaron Lanier: “delete seus perfis das redes sociais já”.)

Vejo, triste, nas salas de aula, um destino incerto de futuros profissionais da comunicação e da gestão. Pessoas colocando-se a serviço de máquinas. Não satisfeitas com o uso de programas, portam-se como algoritmos. E querem dicas passo-a-passo para segui-las – roboticamente. Herdeiros de uma tradição humanística na academia, agora renegam o fator humano. Reforçam uma inteligência artificial que rouba espaço de trabalho à inteligência natural. Desumanizam apesar do discurso de “humanização”. Complicam, apesar da defesa da conveniência. Atravancam as relações enquanto prometem agilidade. Enfim, desservem.

Manoel Marcondes Machado Neto, doutor em Ciências da Comunicação e pós-doutor em Cultura e Territorialidades, é professor associado e pesquisador da Faculdade de Administração e Finanças da Uerj e cofundador do Observatório da Comunicação Institucional.

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