As perniciosas ações do crime organizado configuram situação sem precedentes na história do estado de São Paulo e do país. Ao investirem contra alvos policiais, públicos e civis, os agressores, na verdade, disparam contra o Estado de Direito, ferindo gravemente a democracia, num atentado contra a sociedade. Portanto, neste momento grave, não é prudente prejulgar o trabalho da Polícia Militar e da Polícia Civil, as mais atingidas pelos atentados. Elas tiveram de agir com rigor para controlar a situação.
Nesta onda de violência, estabeleceu-se clara linha divisória entre o Estado de Direito e o crime. Assim, o momento é de união e sinergia na defesa dos valores do civismo, da paz social, da lei e instituições, incluindo a polícia. Esta merece ampla manifestação de apoio, inclusive e principalmente à memória dos profissionais assassinados no cumprimento de seu dever e à dor de suas famílias. Se, nas reações e operações empreendidas no combate aos ataques, for constatado algum comprovado caso de abuso do poder policial, que se apliquem as sanções cabíveis aos responsáveis pelo ato. Contudo, não se deve condenar as corporações.
Assim, a sociedade não deve prejulgar, mas contribuir para o restabelecimento da normalidade e a prisão dos responsáveis pelos ataques. Há eficazes mecanismos de participação nesse processo, como o Disque-Denúncia (telefone 181). Criado em 2000 e mantido pela contribuição voluntária de empresas e cidadãos, até 30 de abril último, o serviço, que já conquistou a confiança dos paulistas, contribuiu para a solução de 20.432 casos, sendo 76 seqüestros. Somente em 2006, foram 1.077 casos de sucesso no desbaratamento do tráfico de drogas.
É relevante lembrar que a ação conjugada da sociedade civil, do Estado e da polícia resultou em expressiva queda do número de homicídios em São Paulo. Foi um processo reconhecido pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura). Agora, os atentados significam um novo desafio, a ser combatido com firmeza e medidas específicas, em paralelo à continuidade das ações gerais contra a criminalidade, que se vêm mostrando eficientes nos últimos anos.
A atual onda de ataques do crime organizado não nasce de uma pretensa ineficiência da polícia, mas sim do sistema prisional, que tem sido historicamente colocado em segundo plano. Sua estrutura e modelo de gestão pecam em duas vertentes decisivas: a incapacidade de contenção adequada dos presos e o desrespeito aos seus direitos básicos, cuja garantia também não pode ser ameaçada pela justificada emoção do momento. A soma dessas duas deficiências é o caldo de cultura das cenas lamentáveis a que temos assistido. Os atentados viabilizam-se nas falhas do sistema prisional, das leis e das demais instituições responsáveis pela repressão.
No combate ao crime organizado, instituições federais, estaduais e municipais devem atuar em conjunto, acima de questões político-partidárias. É pertinente aprofundar o conhecimento sobre as engrenagens e funcionamento das organizações criminosas. A sociedade deve engajar-se plenamente nesse processo. Muito além da crítica difusa, é importante cobrar cada falha e erro cometido pelas autoridades e funcionários públicos. Não basta realçar as deficiências do sistema prisional; é necessário apontar e responsabilizar cada gestor de presídio que permita irregularidades em seu estabelecimento (celulares, armas etc). Também é preciso apresentar sugestões de medidas específicas relativas ao marco legal, identificar, cobrar e julgar pelo voto os parlamentares que impedem a sua implementação.
É crucial, na busca de soluções viáveis para o problema que abalou São Paulo, que todos façam um "mea culpa". É inadmissível o descomprometimento com o país e a comunidade, expresso em atitudes como a do funcionário terceirizado do Congresso Nacional que vendeu arquivos de sessão secreta da CPI ao crime organizado. Os ataques ao estado mais populoso e maior centro produtivo brasileiro significaram um grave alerta. Sociedade, instituições e governos devem agir em conjunto, de maneira articulada e eficaz. É preponderante encarar o desafio de enfrentar com sucesso a investida mais ousada e estruturada do crime organizado, de maneira que o setor público e a população não se tornem reféns dessas facções violentas.
Eduardo Capobianco, empresário, é presidente do Instituto São Paulo Contra a Violência.
Deixe sua opinião