Ao levantarmos a bandeira da sustentabilidade, somos obrigados a contrapor uma série de críticas e opiniões equivocadas sobre o tema. Uns nos consideram “sonhadores verdes”; outros, inimigos do progresso ou militantes a serviço de uma esquerda (sabe-se lá o que significa essa “esquerda”). Porém, neste momento de incertezas, deparamo-nos com falsos dilemas que somente a sustentabilidade pode nos ajudar a responder.
Explico: ao defendermos um conceito de sustentabilidade que remete a raízes antropológicas e até mesmo filosóficas, poderíamos ter a impressão de que em nada estávamos auxiliando o mundo moderno a encontrar um caminho para modificar seu comportamento lesivo ao ambiente e à coletividade em nome de um progresso tecnológico inexorável. Porém, valores são valores onde e quando quer que sejam praticados, assim como o ser humano é dono de suas ações e único responsável por seus atos.
O respeito aos valores e sua prática positiva e o amor a nossa casa comum – que sustentam as ações e práticas humanas – acabam por definir o que vem a ser a sustentabilidade. Se estamos certos, a resposta para um dos maiores dilemas que estamos enfrentando em tempos de Covid-19 é: o isolamento social apresentado como solução mais lógica e racional para deter o avanço desta pandemia arruinará a economia e destruirá vidas tanto quanto o novo vírus.
Então, governantes e empresários preocupam-se legitimamente com a economia e suas desastrosas consequências pós-pandemia e pregam o abandono de medidas de isolamento, mesmo que isso possa significar um descontrole da doença e muito mais mortes do que o previsto. O que fazer? Basta refletirmos um pouco e pensarmos que uma solução sustentável seria o ideal para este e qualquer outro dilema que envolva o relacionamento humano com o seu ambiente, neste caso o ambiente econômico. Mas o que isto significa?
Se a sustentabilidade econômica pode ser entendida, como defendemos, pelo respeito aos valores que a sustentam, temos um caminho para resolver este aparente impasse. Os princípios econômicos, ao oposto do que muitos acreditam, não estão dissociados da moral, pois referem-se ao “como” e não ao “para que” último, orientando a economia para o seu verdadeiro fim. Afinal, das leis econômicas não pode surgir a miséria, por isso a necessidade de elas recorrerem também à caridade e à justiça, conseguindo assim promover o homem e a sociedade.
Sendo assim, quando confrontados os valores “vida” e “economia” não teremos muitas dúvidas em optar pela vida. O que não significa que as consequências desta escolha sejam todas boas; afinal, teremos o desemprego, a fome, o desespero como elementos insurgentes e que não podem ser desprezados. Porém a capacidade de superação da humanidade sempre mostrou que crises econômicas são possíveis de superação. Basta nos lembrarmos dos péssimos prognósticos advindos à época da crise econômica de 2008 (causada pela bolha imobiliária norte-americana, refletida drasticamente na economia mundial). E aqui estávamos nós, prosperando novamente, empresários em busca de mais lucro e governantes em busca de mais força nas economias de seus países.
Tenho para mim que a Covid-19 escancarou para toda a humanidade a mesquinhez e a soberba dos homens, que se julgavam donos do presente e do futuro, senhores do lucro e do progresso, dominadores da tecnologia. Porém espelham-se, repentinamente, em sua humanidade decaída, estampam sua deficiência moral e sua incapacidade ante o desconhecido, e ainda parecem tentar lutar contra a ideia de que fomos feitos para cooperar. Somos seres da solidariedade e somente quando nos assumirmos assim obteremos algum sucesso.
Também Ricardo Voltolini, em recente texto publicado, aponta para um caminho de reflexão sobre a responsabilidade dos líderes empresariais neste momento ímpar, afirmando que líderes com valores são os que carregam a lanterna em tempos escuros. Para Voltolini, “especialmente em horas difíceis, somos em grande medida o que acreditamos, agimos em relação aos outros e às circunstâncias segundo a orientação de valores humanos, fruto de nossos princípios morais e éticos”.
A cada dia que passa vemos o mundo percebendo – ainda que algumas pessoas reneguem esta verdade – que o dever preferencial do Estado deve ser a promoção econômico-social dos mais desprotegidos, e isto inclui os combalidos e infectados pelo coronavírus. E, ainda, que a vida humana é o princípio e a razão de tudo o que somos e vivemos; portanto, nada pode querer antagonizar a vida e a economia.
Podemos, sim, optar sempre pela vida e apelar definitivamente para que seja construído um sistema econômico ao mesmo tempo justo e eficaz. É criação humana, portanto algo possível de se perseguir e conquistar. Temos como certo que a economia deveria se subordinar aos fins superiores queridos por todos nós, e nunca o contrário!
Principalmente por considerar a complexidade da economia, da tecnologia e da burocracia, atualmente, é que devemos nos lembrar que o desenvolvimento não significa unicamente um abandono ao “curso natural” e mecânico da atividade econômica, mas sim um olhar sereno e profundo para nós e nossos semelhantes. Por isso não cansamos de lutar por um mundo sustentável!
Glauco Requião é advogado, consultor em sustentabilidade e criador do portal Postura Sustentável.
Deixe sua opinião