A promessa da internet, e das redes sociais em particular, era a de dar a todos a oportunidade não só de se expressar, mas também de possibilitar a personalização do que ler, ver e ouvir. As notícias e informações não passariam mais pelos editores de jornais, produtores de TV e outros mediadores; todo mundo teria acesso direto às vozes individuais em um feed pessoal. Seria a nova fronteira para a livre expressão, sem amarras, e o controle individual.
Na prática, para muita gente a experiência não tem nada a ver com controle, mas sim com um verdadeiro bombardeio virtual, uma verdadeira enxurrada de ideias e opiniões irritantes, sem graça e, por vezes, ofensivas que parece impossível evitar. Claro, dá sempre para bloquear, deixar de receber notificações, parar de seguir e até deletar a própria conta, mas a prevalência das redes sociais, a forma como se tornaram parte intrínseca do dia a dia, preenchendo os intervalos disponíveis do nosso tempo, só serve para reforçar a sensação de que não há como evitá-las. Cada vez mais, esse universo dá a impressão de ter tomado conta do mundo.
Mundo esse em que o discurso é geralmente visto não como um direito individual, mas um ato público, no qual as palavras e ideias não são nossas, mas sim uma contribuição ao coletivo. De fato, as redes sociais o socializaram.
Por isso, não é surpresa o fato que sua ascensão coincida com apelos de restrição de expressão, tanto on-line quando no mundo real, desde as campanhas específicas para impedir a participação de Steve Bannon em palestras ou pedidos a sites que se livrem de trolls do “alt-right” e personalidades polêmicas como Alex Jones – banido permanentemente do Twitter na semana passada –, até movimentos mais amplos para a regulamentação das grandes plataformas de tecnologia em nível federal. A onipresença das redes sociais aumentou a demanda pela limitação do discurso.
A onipresença das redes sociais aumentou a demanda pela limitação do discurso
A sensação de inevitabilidade é reforçada tanto pela política como pela imprensa tradicional. Quem entrar em uma sala de redação qualquer vai ver telas e mais telas abertas no Facebook e no Twitter. Aliás, basta uma espiada nesse último, em qualquer noite durante a semana, para ver exatamente o que os jornalistas estão fazendo no tempo livre. Ele se tornou a sala de bate-papo permanentemente ativa e hiperabrangente dos comentaristas políticos e aqueles que seguem os noticiários mais de perto.
A impressão de que as redes sociais e a realidade se tornaram uma coisa só se torna ainda mais forte graças a Donald Trump, que passa um tempão tuitando, o que causa uma reação da imprensa, que analisa e discute seus tuítes, que às vezes levam a minipolêmicas adicionais, e por aí vai – o que significa que uma grande parte de jornalismo e análise políticos de consumo em massa consistem no relato e nos comentários sobre o que está sendo dito on-line. Se você ligar na TV a cabo, a qualquer hora do dia ou da noite, terá grandes chances de se deparar com um resumo ou discussão a respeito do que está acontecendo nas redes sociais. É Twitter até não acabar mais.
Mesmo para aqueles que não acompanham o noticiário com fervor, o poder conectivo das redes sociais, combinado com o conta-gotas viciante de informações e a reafirmação positiva – todas aquelas curtidas e compartilhamentos – pode ser difícil de evitar, a menos que você queira se tornar um ermitão digital. Entretanto, qualquer um que passe algum tempo nelas sabe que mesmo os sites mais inócuos e inocentes – aqueles que só mostram bebês, gatos e cachorrinhos – podem facilmente gerar argumentos políticos medonhos.
Parece que as empresas responsáveis por elas sabem do poder que estão desenvolvendo sobre o consciente coletivo dos EUA em termos sociais e políticos, e suas prováveis consequências. “As pessoas nos veem como uma praça pública digital, e isso gera certas expectativas”, afirmou recentemente o CEO do Twitter, Jack Dorsey, perante os membros do Congresso. Depondo diante dos senadores no mesmo dia, a COO do Facebook, Sheryl Sandberg, pareceu aceitar a inevitabilidade de algum nível de supervisão federal ao dizer: “Em nossa opinião, não é uma questão de regulamentação ou não, mas sim da regulamentação adequada.”
Leia também: A tecnologia, a Internet e a perda de privacidade (artigo de Fernando Matesco, publicado em 30 de maio de 2018)
Essa aceitação é, sem dúvida, estratégica – ou seja, uma jogada para garantir que o Facebook lide melhor com quaisquer leis novas que os concorrentes. Entretanto, até essas corporações gigantescas hoje dão a impressão de se considerarem algo do tipo serviço essencial. O governo Trump, por sua vez, parece compartilhar a ideia, pois, na semana passada, o Departamento de Justiça propôs discussões com os Procuradores-Gerais estaduais sobre as práticas das grandes plataformas de tecnologia.
Dado o alcance e a influência inesperados dessas empresas, essa decisão talvez até seja compreensível, mas é errônea e até perigosa, pois, no fundo, considera o discurso – ou seja, o uso principal desses canais – não um direito individual, mas um bem coletivo que deve se sujeitar ao controle político.
O combate a essa percepção resultará no retorno à promessa original, não cumprida, das redes sociais – a da experiência individualizada que oferece o que você quer e não o que não quer. Bloquear, parar de ser notificado, deixar de seguir e até se desconectar são ações que deveriam ser exaltadas; as redes sociais deveriam trabalhar por você, não contra você. Em termos mais gerais, a noção de que não só o se expressar, mas o ouvir também é um direito individual e uma responsabilidade deve ser reforçada sempre que possível.
Reconheço a dificuldade que isso representa. Passei a maior parte da minha vida profissional on-line, meio distraído com os feeds de notícias e a rolagem infindável de atualizações. Neste último ano, saí do Facebook, dei um tempo do Twitter e tirei (e recoloquei) várias vezes diversos aplicativos sociais no telefone. Ainda assim, frequentemente passo noites inteiras conectado, quase sempre quando não tenho motivo nenhum para tal, e luto ferrenhamente contra a vontade de repassar as redes sociais no telefone quando estou entre duas tarefas, ou mesmo no meio de uma. Às vezes, tenho medo de concluir que o Twitter se tornou o substituto do pensamento.
Apesar disso, as redes sociais também me mantêm em contato com amigos e seguidores, proporcionam um canal para o meu trabalho e me dão acesso a uma infinidade de ideias e perspectivas com que, de outra forma, jamais teria contato. (Sem contar as piadas, que também são muito boas.) São ferramentas e, como qualquer outra, devem ser utilizadas com cuidado e prudência.
O que não significa que não haja abusos. O assédio é inaceitável, e se algum governo estrangeiro estiver tentando influenciar nossa política, temos que nos manter vigilantes. As empresas que oferecem e gerenciam essas redes, enquanto entidades privadas, têm o direito de banir qualquer um, por qualquer motivo – ou nenhum em especial.
Mas todos nós, enquanto cidadãos, indivíduos e residentes do mundo on-line, temos a responsabilidade de administrar nosso próprio consumo das redes sociais e de não permitir que elas tomem conta de nossos pensamentos, nossas vidas, nossa cultura, nossa política. As redes sociais são o mundo real só se permitirmos.
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