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opinião do dia 2

A tireoide é inocente!

Na sua saída antecipada do futebol, Ronaldo foi mal assessorado e acabou criando mais um factoide endocri­­nológico, que não explica ou justifica os quilos a mais que cultivou na sua silhueta nesses últimos anos

Na sua despedida do futebol nesta semana, o jogador Ronaldo "Fenômeno" revelou que sofre de "hipotireoidismo", e usou a doen­­ça como uma das razões de sua saída antecipada dos gramados, que era esperada mais para o final do ano. Hipotireoidismo é a baixa produção de hormônios pela tireoide, glândula que se localiza no pescoço, logo abaixo do pomo de Adão. A tireoide produz os hormônios T3 (triiodotironina) e T4 (tiroxina) que regulam o trabalho metabólico de virtualmente todas as células do nosso corpo e influenciam a função de órgãos importantes como coração, cérebro, fígado e rins. Dessa maneira, níveis normais de hormônios tireoidianos são necessários para o crescimento normal de crianças e adolescentes, para manutenção de ciclos menstruais regulares e fertilidade adequada nas mulheres, e para o bom desempenho de funções cognitivas, como concentração, memória e humor, em ambos os sexos. Popularmente, entretanto, a tireoide é associada com controle do peso, crença que se difundiu pela ideia de que seus hormônios regulam o "metabolismo corporal".

No Brasil, os obesos lotam os consultórios médicos na esperança de culpar a tireoide pelos indesejáveis quilos a mais. Infelizmente, essa crença é perpetuada por maus profissionais e clínicas de estética que prescrevem fórmulas ou injeções contendo hormônio tireoidiano em quantidades excessivas para fins de emagrecimento rápido, o que oferece riscos para a saúde e ainda provoca o "efeito sanfona", quando a pessoa volta a engordar assim que o tratamento é interrompido. Nesse contexto, as repercussões das declarações de um ídolo como Ronaldo preocupam os endocrinologistas, que há anos lutam contra essas falsas crenças e alertam para os perigos das fórmulas emagrecedoras.

O diagnóstico de hipotireoidismo nos adultos é comumente feito em exames de sangue de rotina em pessoas sem sintomas ou com sintomas leves ou inespecíficos, incluindo cansaço, humor deprimido, pele seca, cabelos e unhas frágeis, intestino preso, retenção de líquido e modesto ganho de peso. Ressalte-se que muitas pessoas podem ter essas mesmas queixas sem ter qualquer problema na tireoide. O tratamento do hipotireoidismo é simples, eficaz, seguro, barato e, na maioria das vezes, por toda a vida. Ele é feito com comprimidos que contêm levotiroxina, hormônio sintético idêntico ao T4 produzido pela tireoide, em doses que são precisamente definidas pelo mesmo exame de sangue utilizado para diagnosticar o problema. No seu depoimento, Ronaldo afirmou que precisava tomar hormônio, mas temia o risco de doping. Há dois problemas nessa explicação: sem tratamento adequado, Ronaldo não teria condições físicas e psíquicas de enfrentar os gramados nesses últimos anos. Segundo, a levotiroxina usada no tratamento do hipotireoidismo não faz parte das substâncias pesquisadas em testes anti doping. Assim, na sua saída antecipada do futebol, Ronaldo foi mal assessorado e acabou criando mais um factoide endocrinológico, que não explica ou justifica os quilos a mais que cultivou na sua silhueta nesses últimos anos, mas também não apaga de seu currículo nem de nossas memórias as jogadas excepcionais que lhe renderam o título de "Fenômeno".

Cesar Luiz Boguszewski, doutor em Endocrino­­logia, é professor adjunto de Endocrinologia da UFPR, chefe do SEMPR (Serviço de Endocrinologia e Metabologia do Hospital de Clínicas da UFPR) e presidente da Comissão Internacional da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.

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