Os brasileiros estão estarrecidos com o show de barbaridades que tem ocorrido nas prisões do Maranhão. Foram contabilizados mais de 60 mortos. Não é o caso de se estigmatizar aquele estado por causa dos acontecimentos, mesmo porque o histórico condena também os estados mais ricos. A memória da matança no Carandiru, em São Paulo, ainda está viva, pelos números e pela brutalidade. Lembro ainda das imagens de Fernandinho Beira-Mar nos telhados do prédio que lhe servia de prisão, no Rio de Janeiro, matando seus companheiros de infortúnio. Fato é que não se pode atirar pedras.
Resta-nos analisar os fatos que determinaram a barbárie maranhense. Sob todos os ângulos, pode-se dizer que a grande responsável é a governadora Roseana Sarney. Seja porque não investiu o necessário para equipar o sistema prisional, seja porque tem se demonstrado má administradora, cercada apenas de acólitos leais. O secretário de Segurança, por exemplo, foi segurança pessoal de José Sarney, e esse terá sido talvez o principal ponto para sua escolha para o cargo.
A cada ano, a administração da Justiça fica mais eficiente, mandando mais gente cumprir penas no sistema prisional. A população encarcerada nunca foi tão numerosa e o déficit de vagas nas prisões, tão grande. A situação só não é mais grave porque, nos últimos anos, a Justiça tem aplicado penas alternativas à prisão pela prática de crimes mais leves.
O que se viu no Maranhão e se vê em toda parte é que se faz letra morta do ordenamento jurídico. O artigo 5.° da Constituição de 1988 reza, em seu inciso XLIX: "É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral". A declaração está muito longe da realidade. Uma pessoa presa dificilmente se livra do estigma de apenado e pode estar condenada a voltar ao crime simplesmente porque não há mercado de trabalho para quem esteve preso.
Impressiona a opinião ligeira que aprova as barbaridades verificadas porque se trata de criminosos apenados. Não passa de uma variação da Lei de Linch. A impiedade da observação é compatível com a sua injustiça: os presos não cometeram crimes iguais e há de haver a proporcionalidade entre crimes e penas. Regozijar-se com a morte desses presos revela uma cegueira moral sem limites. E, no Brasil, não há pena de morte oficial. Essa ânsia pela Lei de Linch é um dos aspectos mais brutais e primitivos da mentalidade coletiva no país.
Pessoas presas, regra geral, são as mais fragilizadas, tendo suas famílias comprometidas, seu futuro incerto e o peso avassalador do Estado sobre a sua existência, esmagando-as. E mais todas as taras humanas contra si, que parecem ser mais frequentes naqueles engajados nas tarefas de polícia judiciária. Torturas e surras ainda são tristemente frequentes nas prisões. A determinação do artigo 5.º da Constituição continua a ser letra morta porque essa gente não dá voto, pois nem voto tem. Ela é esmagada pela incúria e irresponsabilidade dos governantes.
Tenho o espírito de Dom Quixote, que liberta os galeotes. Mas reconheço a necessidade de um sistema prisional, condição mínima para que haja convivência social. No entanto, repudio fortemente a maneira como o Brasil trata sua clientela prisioneira. Uma única palavra pode descrever: horror!
O Maranhão representa muito bem o universo de nosso país. Infelizmente.
Nivaldo Cordeiro, economista, é especialista do Instituto Millenium.
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