A quase centenária Associação Brasileira de Imprensa (ABI) é um dos órgãos mais importantes de referência da sociedade civil. Acompanhando de perto e opinando sobre os grandes problemas nacionais, a ABI também analisou os episódios do terrorismo interno provocado em São Paulo por ações da organização criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).

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Deplorando o terror dos atentados, as mortes de policiais e seus familiares – escolhidos como alvos – e as vítimas inocentes, a ABI manifestou-se publicamente. E o fez subscrevendo a declaração "Civilização, sim; barbárie, não", firmada por eminentes juristas e publicada na Folha de São Paulo, na edição de 18 de maio. O texto, ponderado e necessário, rebate a iniciativa do Congresso Nacional em editar uma legislação de pânico após anos de inércia quanto a muitos projetos relativos à segurança pública, mas que estavam paralisados. É oportuna a reprodução de um relevante trecho: "Não é fácil apelar para o bom senso quando os ânimos estão exaltados e, sobretudo, quando a exaltação é plenamente justificável. Nenhuma pessoa de sentimentos pode deixar de solidarizar-se com as famílias dos policiais e dos civis inocentes assassinados nem condenar, da forma mais veemente, a truculência dos bandidos que deflagraram a recente onda de violência em dezenas de cidades do estado de São Paulo. Mas é justamente nessas horas que se torna imprescindível alertar a população para o risco da exploração política do episódio. No rádio, na televisão, nos jornais e nas revistas, vozes tonitroantes reclamam penas mais rigorosas, mais armamento para os policiais, mais restrições aos presos, mais limites à liberdade dos cidadãos. Senadores da República procuram associar o episódio com o terrorismo e prometem votar uma legislação penal, processual e penitenciária mais repressiva em apenas 15 dias! É barbárie contra barbárie, truculência contra truculência, poder de fogo contra poder de fogo! Por esse caminho, semeia-se, única e exclusivamente, o caos." www.abi.org.br

Nada mais é preciso dizer quanto ao vigor e à lucidez dessas ponderações. Mas, além da omissão do governo da União (desde 1984) em construir presídios federais, como foi observado nos artigos anteriores, há muitas outras causas determinantes da guerra civil em miniatura do crime organizado contra o Estado desorganizado. É a adesão de um imenso número de presos que formam a massa de manobra da erupção violenta. Eles estão em cadeias públicas infectas e absolutamente incompatíveis com o objetivo da recuperação social que constitui um dos fins da pena.

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A Constituição do Império do Brasil (25 de março de 1824), declarava: "As cadeias serão seguras, limpas e bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos réus, conforme suas circunstâncias e natureza de seus crimes". (Art. 179, § 21).

Estamos vivendo no ano da graça de 2006. Do Império que estava surgindo após a colonização portuguesa (1500-1822) até a República Federativa, constituída em Estado Democrático de Direito e que tem, em seu primeiro artigo e como um de seus fundamentos, "a dignidade da pessoa humana" o que mudou? Entre o texto da Carta Política outorgada por Dom Pedro I (1824), que proclamou abolidos "os açoites, a tortura, a marca de ferro quente e todas as demais penas cruéis" e os dispositivos da chamada Constituição cidadã (1988), ao afirmar que "é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral" e que "a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado", qual foi a mudança? Quase nenhuma; apenas a superlotação carcerária.

A primeira penitenciária federal será inaugurada brevemente em Catanduvas (PR). Em Campo Grande (MS), Mossoró (RN), Porto Velho (RO) serão instaladas outras.

Poderá ser o primeiro passo de uma longa caminhada contra o crime organizado e a favor da incolumidade dos cidadãos.

René Ariel Dotti é advogado e professor universitário. Foi presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, órgão do Ministério da Justiça.

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