Martin Niemöller, pastor luterano, foi perseguido desde 1933 pelos nazistas por defender a liberdade. Foi preso várias vezes, e por fim, condenado aos campos de concentração. Antes da segunda guerra mundial expressou uma lamentação pungente: "Quando os nazis levaram os comunistas, me calei, porque, afinal, eu não era comunista. Quan­­do eles prenderam os sociais-democratas, me calei, porque, afinal, eu não era social-democrata. Quando eles levaram os sindicalistas, não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista. Quando levaram os judeus, não protestei, porque, afinal, eu não era judeu. Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse".

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Criticando a atitude de servilismo dos intelectuais ao poder e sua mira no benefício próprio, Ju­­lien Benda escreveu, em 1927, A traição dos intelectuais. De alguma maneira, o obra antecipa o grito angustiante de um Niemöller tolhido da li­­berdade. Para Benda, o intelectual, pelas suas condições de inteligência privilegiada e capacidade de lidar com o conhecimento, arca com o com­­promisso de defesa dos valores morais universais, não podendo se deixar arrastar por razões de utilidade contrárias aos valores éticos.

A política, nos dias de hoje, não se diferencia das condições que levou Benda a escrever seu livro. Os políticos e muitos dos seus ideólogos, como os de outrora, não conseguem olhar além do apetite fisiológico imediato. Seguem dogmaticamente a escala de necessidades de Maslow: se não se pode satisfazer as necessidades orgânicas básicas, não é possível aspirar aos valores morais. Benda pensava que "cabia ao intelectual chamá-los à razão e mostrar que nem só da terra vive o homem, ou, usando as palavras de Shakespeare, existem mais coisas entre o céu e a terra do que supõe sua vã filosofia. O papel do intelectual, em resumo, é cultuar a verdade, a justiça e a razão".

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A denúncia-chave de Benda é que, contrariamente ao exemplo de um Martin Niemöller, os intelectuais deixaram-se rifar pela concupiscência política. Esta situação ocorre pelo fato de não mais se aterem a nenhum critério de valor ético válido, independentemente das circunstâncias. Ao deixar de prezar a verdade, ou o que é pior, ao passarem a negá-la, cometem traição à sua identidade, à sua força natural, ao que os antigos gregos denominavam de "aretê", que se pode traduzir por virtude. O ensinamento cristão emprega a imagem do sal que, ao perder a sua força, não serve, a não ser para ser calcado pelos pés dos homens. Assim se desvirtua a responsabilidade social do intelectual.

O mais grave da situação atual é que, por qualquer razão de utilidade ou razão pragmática, justificam-se as ações mais inconfessáveis. A traição consiste em não apontar mal algum, e tudo ganha salvo-conduto por razões de pura eficácia política.

O santo devoto dos intelectuais de hoje, salvo honrosas exceções, tornou-se Prometeu, que para uma solução sagaz à incúria do seu irmão, roubou o fogo celestial e o trouxe para a terra para resolver os problemas dos mais comuns dos mortais.

Para Norberto Bobbio, as sociedades necessitam dos intelectuais, pois, assim como existe o poder político, o poder militar, o poder econômi­­co, deve haver também o poder moderador das ideias, que leva a agir pensando além do efêmero. Jorge Lacerda defendia que os políticos, "representando os interesses totais da nação, têm, por isso mesmo, deveres com os problemas da cultura, não lhes sendo lícito favorecer o divórcio da ação política com a da inteligência. Nossa missão, não se limita, apenas, é óbvio, às atividades políticas, nem cessam os nossos compromissos nas fronteiras dos problemas materiais, mas se desdobram e ampliam, transcendendo essa área efêmera e limitada, para também se vincular com os superiores objetivos da cultura".

Para Bobbio, o intelectual se caracteriza pelo poder de expressão das ideias, "por meio da palavra, e com a palavra, agora e sempre mais, a imagem". A questão não é de neutralidade ou engajamento do intelectual; sugere que os intelectuais têm "o dever (de) serem fiéis a certos princípios, custe o que custar (..)", para ele "importa não que o homem de cultura se engaje ou não se engaje, mas por que coisa ele se engaja ou não se engaja e de que modo ele se engaja, assumindo todas as responsabilidades da sua escolha e das consequências que dela derivam".

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A traição dos intelectuais começa, no mo­­mento em que, ao perderem a sensibilidade à ver­­dade, silenciam e renunciam à sua identidade que é de orientar e dar luz à sociedade.

Paulo Sertek, doutor em Educação pela UFPR, é autor de Responsabilidade Social e Competência Interpessoal (Ibpex, 2006), Empreendedorismo (Ibpex, 2007) e Administração e Planejamento Estratégico (Ibpex, 2009).paulo-sertek@uol.com.br