| Foto: Divulgação/PUCPR

A realização de uma “Semana LGBT” no câmpus Londrina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) indignou boa parte da sociedade católica londrinense e de outras cidades. Iniciou-se uma mobilização, especialmente nas mídias sociais e da qual fiz parte, até por essa universidade ser minha alma mater; em nome da coerência, vimos que era necessário não impor o cancelamento da agenda, mas solicitar ao arcebispo diocesano, dom Geremias Steinmetz, que se posicionasse a respeito, na esperança de que ele seguiria coerentemente a Tradição, o Magistério da Igreja e as Sagradas Escrituras e, portanto, cancelaria o evento ou alteraria completamente sua identidade e forma.

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Exigir coerência não é um trabalho fácil e muito menos nos faz queridos por todos. A verdade pode aflorar, em termos bem gerais, quando é possível encontrar coerência lógica interna, correspondência objetiva com a realidade e, quando disponível, verificação empírica. E essa discussão tornou-se, como de fato é, justamente um problema de coerência, não uma disputa moralista contra diversidade e tolerância de minorias. A forma e o caráter do evento não são o problema central, mas o fato de ele ocorrer, daquela maneira, nas dependências de uma universidade pontifícia e católica, sob os auspícios papais e da catolicidade da Igreja de 2 mil anos.

Após a grande sensibilização do povo cristão, pequenos grupos aqui e ali também se mobilizaram, desta vez para dar incentivo ao evento. A coisa tomou a forma de um cabo de guerra. O Diretório Central dos Estudantes, idealizador da “Semana LGBT”, acionou seus parceiros e notas de apoio surgiram aos montes nas redes sociais. Mostram-se a favor professores, centros acadêmicos, DCEs de outras universidades e grupos ativistas das mais variadas bandeiras, essencialmente “progressistas”. O barulho foi grande, mas nem sequer chegou perto da quantidade de fiéis que opuseram-se àquele acontecimento, certos de que o Cânon 510, § 3.º, seria obedecido, segundo o qual o bispo diocesano deve “procurar em primeiro lugar que se atenda convenientemente às necessidades pastorais dos fiéis”. Ora, havia maior clamor conjunto das suas ovelhas naqueles dias? Certamente não.

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Temo que haja um novo amanhã sendo construído pela universidade, mas que não inspira confiança

Esses grupos progressistas que se uniram para combater a iniciativa dos fiéis católicos têm o frequente costume de convocar e evocar a “sociedade civil organizada” para suas ações e protestos. Quando, porém, outros membros da sociedade civil organizam-se e manifestam-se contrariamente à sua vontade, o furor é ouvido a quilômetros e a tolerância é posta na gaveta das conveniências momentâneas. Insultos voaram contra a atitude dos católicos.

Em 5 de setembro, reuniram-se em Londrina o arcebispo de Curitiba (que é grão-chanceler da PUCPR), o arcebispo de Londrina, a reitoria e membros da diretoria da PUCPR – inclusive da Diretoria de Identidade – e os membros do DCE da universidade. Decidiu-se adiar o evento em aproximadamente um mês e inserir na organização um teólogo católico “para garantir o alinhamento com os princípios da Igreja e da Universidade”, segundo uma nota da universidade. O texto ainda pontua que “a reflexão acerca de tais temáticas [LGBT] torna-se inevitável no interior da Universidade Católica e será realizada sempre à luz do Evangelho e da Tradição da Igreja”.

Eis o problema. Consideremos duas das palestrantes do evento, Débora Anhaia de Campos e Mel Campos. A primeira, médica em uma unidade de saúde do município, é uma notória militante do PSol e da descriminalização do aborto, e intensa opositora da Igreja Católica. A segunda palestrante é – e isso pode-se verificar na descrição do próprio evento LGBT – “trans, ativista e militante nas áreas da saúde e direitos humanos, atriz e produtora cultural”. Ambas opuseram-se publicamente, na Câmara Municipal de Londrina, à instituição do Dia do Nascituro (criado pela CNBB) no calendário oficial do município, vociferando palavras que constrangeriam o mais liberal dos leitores. Não bastasse a apresentação destes fatos, ambas são manifestas entusiastas da ideologia de gênero.

A decisão do colegiado formado às pressas para resolver a questão colide contra um muro imenso, que na verdade é uma catedral. O estatuto da PUCPR, respectivamente em seus artigos 2.º e 5.º, estabelece que a universidade “se rege pelas disposições do Direito Canônico, pela Constituição Apostólica sobre as Universidades Católicas” (a Ex Corde Ecclesiae) e “inspira-se nos princípios da Igreja Católica”. Estes três esteios, amplos e profundos, devem necessariamente ser obedecidos à risca, quer concordem ou não.

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Vamos primeiro ao Código de Direito Canônico. Na sessão destinada às universidades católicas, o cânon 813 afirma que “o bispo diocesano tenha grande cuidado pastoral com os estudantes”. Certamente este cuidado necessário deve estar alinhado com a doutrina católica e sua visão pastoral, primando pela evangelização e conversão dos seus alunos. Como poderia esse evento pastorear os estudantes e ajudá-los a conhecer o Cristo, se o cunho ideológico LGBT permanece? Foi este mesmo movimento que, quando da vinda do papa Francisco ao Brasil, realizou manifestações espúrias na Avenida Paulista. Temo que os intentos subversivos de Antonio Gramsci estejam penetrando ainda mais a fé católica desde dentro, fazendo dela uma caixa de ressonância do movimento revolucionário. Por fim, no cânon 809 é fixado que nas universidades católicas “se pesquise e ensine as várias disciplinas levando-se em conta a doutrina católica”, cuja posição a respeito dos assim chamados “temas fronteiriços” já está consolidada tanto na Tradição como pelo Magistério.

Outro documento que rege a PUCPR é a Constituição Apostólica Ex Corde Ecclesiae, que regra sobre as universidades católicas e foi redigida por São João Paulo II, cujo nome homenageia o auditório no qual a Semana LGBT ocorrerá. A nota da PUCPR cita rapidamente apenas um excerto inicial da constituição: “a nossa época tem necessidade urgente desta forma de serviço abnegado que é proclamar o sentido da verdade, valor fundamental sem o qual se extinguem a liberdade, a justiça e a dignidade do homem” (n. 4). Omite, porém, que ela expressa veementemente (n.13) o trecho que agora reproduzo na íntegra, para que cessem as dúvidas e fique evidente a incoerência: “Uma vez que o objetivo de uma universidade católica é garantir em forma institucional uma presença cristã no mundo universitário perante os grandes problemas da sociedade e da cultura, ela deve possuir, enquanto católica, as seguintes características essenciais: 1. uma inspiração cristã não só dos indivíduos, mas também da comunidade universitária enquanto tal; 2. uma reflexão incessante, à luz da fé católica, sobre o tesouro crescente do conhecimento humano, ao qual procura dar um contributo mediante as próprias investigações; 3. a fidelidade à mensagem cristã tal como é apresentada pela Igreja; 4. o empenho institucional ao serviço do povo de Deus e da família humana no seu itinerário rumo àquele objetivo transcendente que dá significado à vida”.

Diante de tamanha objetividade, cumpre uma universidade sua catolicidade e fidelidade papal ao realizar um evento como este? Ademais, quais foram as manifestações públicas dos mais recentes papas? Bento XVI, num discurso de Natal à Cúria Romana em 2012, assim declarou: “manifesta-se o fundamento daquilo que hoje, sob o vocábulo gender – gênero –, é apresentado como nova filosofia da sexualidade. De acordo com tal filosofia, o sexo já não é um dado originário da natureza que o homem deve aceitar e preencher pessoalmente de significado, mas uma função social que cada qual decide autonomamente, enquanto até agora era a sociedade quem a decidia. Salta aos olhos a profunda falsidade desta teoria e da revolução antropológica que lhe está subjacente”. A posição de São João Paulo II a respeito de gênero e aborto, temas centrais da pauta LGBT, é tão conhecida e contrária que vale a pena, a título de sintetizar este artigo já longo demais, mencionar que tudo se encontra no que pode ser hoje chamado de “Teologia do Corpo”.

Quanto ao papa Francisco, ainda que ele tenha celebrado os homossexuais que batizaram seus filhos na Igreja Católica e também tenha concedido às mulheres que abortaram a oportunidade de receber o perdão, mediante confissão, destes fatos não se conclui de maneira alguma que nosso atual pontífice coadune ou estimule tais práticas e as ideologias que as sublevam. Antes, assim ele se pronunciou na Jornada Mundial da Juventude em Cracóvia, na Polônia, denunciando aquilo que chamou de “colonização ideológica”. Disse ele: “uma delas – digo claramente por ‘nome e sobrenome’ – é o gênero! Hoje, às crianças – às crianças! –, nas escolas, ensina-se isto: o sexo, cada um pode escolhê-lo. E isso é terrível!” E ainda, pouco antes da publicação da Misericordia et Misera, o pontífice argentino descreveu a interrupção da gravidez como “crime horrendo” e “pecado muito grave” em entrevista a emissoras católicas italianas.

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Considerando as posições dos três papas, o Direito Canônico, a Ex Corde Ecclesiae, o Estatuto da PUCPR, a Tradição e o Magistério da Igreja Católica, insisto: a consecução de tal evento, intitulado “Semana LGBT”, com aquelas palestrantes, se alinha com tais fundamentos? A pergunta é retórica.

Ainda sobre a nota da PUCPR, os respectivos arcebispos são dela signatários, uma vez que a própria Arquidiocese de Londrina disponibilizou-a em seu site na internet. O documento omitiu o termo “diferentes identidades” quando citou o valor marista da interculturalidade – se por conveniência ou desatenção, não sei. Talvez porque seja justamente este “novo valor” que abriu as portas para tal evento.

Quando era menino no Colégio Marista Santa Maria, em Curitiba, todas as sextas-feiras cantávamos juntos, todos os alunos de todas as séries, no mesmo pátio o hino nacional e o hino marista, que dizia “Champagnat, Champagnat, nos inspira a confiança, para um novo amanhã, para um novo amanhã construir”. Parte do Grupo Marista, a PUCPR tem o dever, como instituição, de construir um novo amanhã inspirada por Marcelino Champagnat. Temo, após esses acontecimentos, que haja mesmo um novo amanhã sendo construído pela universidade, mas que não inspira confiança, porque parece lançá-la ao lado esquerdo do barco, a despeito do que ordenara o Senhor. A verdade, e não a falsa tolerância, deve ser o coração pulsante de um cristão fiel e é por isso que São João Paulo II admoestou: “devemos defender a Verdade a todo custo, mesmo que voltemos a ser somente doze”.

Bernardo Pires Küster é tradutor e ensaísta.