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| Foto: Aniele Nascimento/Aniele Nascimento

A UFPR viveu um momento singular no último dia 25 de junho. Após uma espera de quase uma década, a comunidade universitária pode finalmente contar com o novíssimo Câmpus Rebouças. Numa área construída de 12 mil m2, com um investimento que superou os R$ 26 milhões, a UFPR passa a ocupar uma área da mais alta relevância para a história da nossa cidade. Mas, bem além dos seus nexos com o passado, este é um acontecimento especial pelo que representa no presente. As universidades públicas brasileiras vivem momentos de escassez crônica de recursos para novos investimentos. A demanda por expansão não é algo que se possa anular ou postergar indefinidamente no caso das universidades. Além das grandes expansões que se fazem nos momentos em que se dispõe de recursos mais vultuosos, há a expansão chamada “vegetativa” da universidade; resultado do seu próprio ethos inovador e prospectivo que, para se realizar, precisa incorporar novas instalações, equipamentos e competências profissionais.

A implementação do Câmpus Rebouças da UFPR é, portanto, um fato da mais auspiciosa relevância para todos que valorizam a universidade pública, sem fazer pouco caso daquilo que ela tem de característico e específico. Este câmpus é fruto da combinação de dois grandes movimentos de expansão. Os recursos financeiros que o tornaram possível foram transferidos à UFPR pelo Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), mantido pelo MEC, durante os anos 2007 e 2011. Mas, ao lado da expansão induzida pelo Reuni, a UFPR presenciou uma intensa expansão em outras frentes. Merece destaque a expansão das ações voltadas à formação inicial e continuada de professores, com reflexo direto na expansão dos setores de Educação e Ciências Humanas, que serão justamente os setores beneficiados de maneira direta com a incorporação do novo Câmpus Rebouças à UFPR.

Da Estação Ferroviária de Curitiba, a partir de 1891, partiram os trens que ligaram nossa capital a Ponta Grossa e, a partir de 1894, ao restante do estado

Desde o fim dos anos 1950, com a inauguração dos câmpus Reitoria e Politécnico, a UFPR não conhecia uma expansão tão expressiva das suas instalações em Curitiba. Foi precisamente em 1958 que a antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras recebeu do governo de Juscelino Kubischek o Edifício Dom Pedro I. Agora, com a transferência progressiva do Setor de Educação para o novo câmpus, o Setor de Ciências Humanas – que reuniu a maior parcela dos cursos que, até a reforma universitária de 1968, constituíram a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras – poderá incorporar as áreas do Edifício Dom Pedro I e Edifício Dom Pedro II antes destinadas ao Setor de Educação e, desse modo, implementar uma redistribuição do espaço físico e uma reforma administrativa que há muito eram aguardadas e que foram cuidadosamente estudadas e amplamente discutidas por toda a comunidade setorial ao longo dos três últimos anos.

Mas, muito antes disso, outros contribuíram de forma decisiva para esse desfecho auspicioso. Na condição de ex-diretor do Setor de Ciências Humanas, posso testemunhar que ninguém acalentou com mais entusiasmo o projeto do Câmpus Rebouças no Setor de Ciências Humanas do que nossa ex-diretora, professora Maria Tarcisa Silva Bega. Sob sua liderança, o setor elegeu a transferência dos cursos de Psicologia e de Turismo para o Câmpus Rebouças como a sua principal meta dentro do plano de ações do Reuni. Tarcisa foi incansável em sua tentativa de convencer o setor a incorporar-se integralmente ao projeto do Câmpus Rebouças. Enfrentou resistências, das mais sensatas até as mais desequilibradas. Algumas dessas resistências, de tão descabidas, foram incorporadas ao folclore da nossa instituição: certos professores contrários à proposta de transferência ameaçaram se acorrentar aos pilotis dos edifícios Dom Pedro I e Dom Pedro II a fim de, assim, resistir a uma eventual transferência de todo o setor para o Câmpus Rebouças. Enfrentando um ambiente de incertezas e dissensos, soube a professora Tarcisa conduzir a discussão e a decisão final por uma adesão parcial do setor à transferência para o Câmpus Rebouças. Os efeitos positivos dessa decisão são, doravante, incontestes.

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Resta-me, por fim, destacar o rico simbolismo associado ao fato de a maior parte do atual Câmpus Rebouças ser constituída pelo Edifício Teixeira Soares – integralmente reformado e adequado de forma exemplar à sua nova função, com base no primoroso projeto da arquiteta Neuza Machuca. Este edifício pertenceu, como muitos ainda se recordam, à Rede Ferroviária Federal, que ali instalou suas oficinas e escritórios. Ele fazia parte do complexo envolvendo a Estação Ferroviária de Curitiba (hoje Shopping Estação), ponto final da linha férrea que ligava Curitiba a Paranaguá, a mais antiga do estado, inaugurada em fevereiro de 1885. Há mais de 120 anos, essa ferrovia e suas estações estão, pois, estreitamente associadas à história da nossa cidade. A estrada é, ela mesma, considerada um marco da engenharia ferroviária nacional, tendo sido projetada por André Rebouças e construída por Teixeira Soares – por isso, merecidamente homenageado no prédio que, agora, passa a fazer parte da UFPR, preservando a homenagem de outrora –, depois que firmas estrangeiras se recusaram a realizar a obra devido às dificuldades do trecho da Serra do Mar, entre Morretes e Roça Nova.

Da Estação Ferroviária de Curitiba, a partir de 1891, partiram os trens que ligaram nossa capital a Ponta Grossa e, a partir de 1894, ao restante do estado. A grande conquista para Curitiba ocorreu, contudo, em 1909, quando a cidade ganhou uma ligação ferroviária com as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. No ano seguinte, já seria possível também viajar de Curitiba a Porto Alegre pelo trem. Do fim do século 19 até a década de 1960, essas foram, portanto, as principais ligações de Curitiba com o restante do estado e do país, além de ser a sua ligação com o Litoral e, a partir dali, com o restante do mundo.

É, portanto, muito representativo que essa edificação centenária, cuidadosamente revitalizada, passe a abrigar uma instituição de ensino, pesquisa e extensão. Não menos relevante é o fato de a UFPR estar agora presente onde outrora estiveram os trilhos e as oficinas dessa gloriosa ferrovia. De onde escoaram a produção de erva mate e madeira dos nossos antepassados, a partir de hoje, serão disseminados novos conhecimentos e novas ideias, por meio de vias digitais e conexões de banda larga que levam até onde nossa imaginação pode alcançar. Serão, assim, ampliados não apenas os nossos mercados, mas sobretudo os nossos horizontes, em vista da tarefa de construirmos um futuro de maior inclusão social, de maior valorização do conhecimento e de irrestrita crença na democracia. Que as portas da UFPR no novo Teixeira Soares sejam as portas desse longínquo, mas inadiável futuro do nosso país.

Eduardo Salles de Oliveira Barra é professor de Filosofia e pró-reitor de Graduação da UFPR. Entre 2015 e 2016, foi diretor do Setor de Ciências Humanas da UFPR.
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