Antes que os separatistas se sintam ultrajados com a “utopia anunciada”, convido-os a perceber que a maior aspiração de todos os movimentos de separação política é igual à aspiração dos federalistas que defendem um “federalismo pleno”: livrar-se da opressão do governo federal. Reportagem publicada pela Gazeta do Povo em 22 de agosto demonstra exatamente isso. Esse sentimento se verifica no seio da população, que já se deu conta de que não faz sentido enviar tantos recursos para um governo central, distante de todos.
O Brasil se parece menos como uma federação e mais como Estado unitário, pois a concentração tributária é bem próxima dos 75% de tudo que se arrecada no país (devolvendo-se cerca de 20% via Fundos de Participação dos Municípios e dos Estados), deixando estados e cidades à míngua. A Constituição de 1988 construiu uma “federação quaternária”, incluindo os municípios e o próprio Distrito Federal como entes federativos. Mas uma federação de verdade só pode ser dual: estados e governo central. E para ser plena, os estados federados devem ter grande autonomia legislativa, tributária, judiciária e administrativa. Se o leitor lembrou dos Estados Unidos, acrescento que Canadá, Suíça, Alemanha e Austrália também adotam tal modelo.
Uma federação de estados autônomos deve obedecer ao princípio da subsidiariedade, que aloca corretamente as atribuições das esferas de governo e dos três poderes respeitando-se as respectivas autonomias e capacidades – à União, por exemplo, ficam as exclusivas atribuições de cunho nacional. Mas, no Brasil atual, o único princípio que prevalece é o da vassalagem estatal do cidadão submetido às três esferas de governo, empobrecendo-o mais e mais.
Os separatistas propõem a fundação de novos países, mas, na verdade, o Brasil é que precisa ser refundado
Os separatistas propõem a fundação de novos países, mas, na verdade, o Brasil é que precisa ser refundado. A razão vai além da esquizofrenia federativa de quatro níveis. Dentro dela, desenvolveu-se uma estrutura mastodôntica e corporativista, excessivamente burocrática, formalista, regulatória, garantida pela Constituição de 1988, cuja “cidadania” serve apenas aos membros integrantes da casta do setor público. O setor privado, que é o único que produz, paga essa conta sem ter as correspondentes contrapartidas nos serviços públicos que espera.
A corrupção, que se tornou sistêmica, praticamente se institucionalizou. Não serão “Dez Medidas” e mais e mais controles que a deterão. A causa direta é a estrutura do Estado brasileiro, que aloca estonteante burocracia em todos os setores, bem como as regulações que garantem a plutocracia que sustenta políticos e governantes em incestos constantes, sodomizando o povo com oligopólios, trustes e cartéis. A estrutura custa cada vez mais, e nem mesmo o mais perverso e caro sistema tributário do mundo em relação aos produtos brasileiros – somos os únicos que tributam todas as etapas de todas as cadeias de produção – consegue dar conta dela. A taxa de investimentos em relação ao PIB vem caindo ano após ano. Não há infraestrutura para atender qualquer taxa de crescimento acima de 2% ao ano, pois os oligopólios simplesmente impedem a livre construção de aeroportos, a criação de companhias de aviação regionais, ferrovias, rodovias, navegação de cabotagem, hidrovias. O ambiente para se fazer negócios é um dos piores do planeta; a educação produz “alfabetizados analfabetos” funcionais, enquanto a saúde e a (in)segurança pública competem nas estatísticas de mortes. Sem contar com as dezenas de milhares de pessoas indo embora do Brasil, ou de empresas se instalando no vizinho Paraguai. Não é à toa que haja sentimentos de separação.
Considerando que a atual Constituição tem apenas um terço dela regulamentado, gerando um incrível cipoal de 5,4 milhões de normas legislativas (segundo o IBPT), não resta dúvida de que o Brasil precisa mesmo ser refundado por meio de uma substituição da atual Constituição por uma nova matriz constitucional. Os federalistas têm uma proposta nesse sentido, um ensaio de princípios, tal como a Constituição dos Estados Unidos, mas perfeitamente adequada à realidade brasileira, com 87 artigos e 19 disposições transitórias, um texto em discussão aberta e livre com a sociedade.
Nossas convicções: Fortalecimento do modelo federativo
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O desenho de um novo federalismo, pleno, para o país determina a impossibilidade de concentração dos poderes e tributos, além da reorganização estrutural em todos os sentidos. As cidades, por exemplo, poderão rever toda a sua estrutura de gestão política e administrativa, incluindo a substituição de vereadores pagos por conselheiros não remunerados. E, por que não?, prefeitos eleitos sem partidos ou simplesmente contratados como administradores urbanos nas cidades com menos de 50 mil habitantes? Os Estados Unidos têm mais de 30 mil cidades e aldeias autônomas em um ambiente federativo pleno. Não há justificativa que impeça tal prática por aqui.
Os estados passarão a ser competidores entre si, e também terão de rever suas estruturas. O federalismo pleno, dual, tem viabilidade política e se alinha com o inato sentido de autonomia local, cabendo a cada parte as devidas atribuições subsidiárias, sem invasão de atribuições mútuas. Nada disso contraria cláusulas pétreas da atual Constituição.
Utopias nos mantêm ocupados, sem resultados práticos, mas a viabilidade de um grande projeto de reestruturação nacional, ainda que enfrente as naturais dificuldades de sua implementação, é o desafio que pode ser assumido por todo aquele que respeita a si próprio como indivíduo autônomo e livre.
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