Muita tinta e pixels foram gastos debatendo a compulsoriedade da vacina contra a Covid-19 no ambiente de trabalho. O entendimento de que o empregador pode exigir de seu empregado que tome a vacina ganha corpo na Justiça brasileira. A presidente do TST já declarou ser favorável e há decisões, inclusive de tribunais, segundo as quais a recusa à vacinação pode ser sancionada com a demissão por justa causa. Indo além, é possível observar noutros países a adoção de medidas para aumentar a pressão para que todos se vacinem.
A Itália começou, há aproximadamente um mês, a exigir a “certificazione verde” para que as pessoas possam frequentar bares, restaurantes, teatros e academias. Esse passe é liberado apenas para os cidadãos que completaram o ciclo vacinal e, sem ele, os estabelecimentos devem rejeitar a entrada do cliente. Na semana passada, o governo obrigou os empregadores a exigir o passe de seus empregados, sob pena de suspensão da remuneração e multa de mil euros para o empregado e até para os empregadores que não cumprirem a exigência. Com apenas cinco dias de exigência, houve aumento de 40% na procura de primeira vacinação no período.
Na França, o governo determinou em meados desse ano a obrigatoriedade da vacinação para profissionais da saúde, sob pena de suspensão do pagamento de salário. Isso desencadeou violentos protestos nas maiores cidades. Desde o início do mês, a exigência foi estendida para várias outras profissões, e a sistemática é muito parecida com a italiana; os empregados renitentes não recebem salário, são multados e os empregadores que não realizarem a fiscalização também recebem multa.
Confederações de sindicatos e empregadores na Alemanha vêm exigindo medidas do governo para que as empresas possam solicitar informações dos empregados acerca da vacinação. Porém, não só o contexto é diferente (a cobertura vacinal já chegou a quase 70% da população e a privacidade é um assunto caro aos alemães, ante a história recente), como também o próprio ministro do Trabalho já sugeriu que empresas podem fazê-lo dependendo do ramo econômico. As eleições gerais do próximo dia 26 podem dificultar a tomada de alguma medida mais drástica por ora em razão da possibilidade de perda de votos, especialmente os da coalizão CDU-SPD, atualmente no poder.
Aqueles que resistem a participar devem arcar e responder pela sua omissão, seja com a negação de entrada a locais públicos, seja com o alijamento do local de trabalho.
Na Bélgica, apesar da grande confusão que paira sobre o assunto ante as especificidades do país (que é dividido em três, apesar de seu diminuto tamanho), a região de Bruxelas também exige o “pass sanitaire” para o ingresso nos estabelecimentos chamados lá de “horeca”, ou seja, hotéis, restaurantes e cafés, além de academias. Apesar da discordância entre as regiões, eis que Flandres e Valônia nem sequer exigem máscaras atualmente, já há debates na capital para que os empregados também apresentem comprovação de vacina para não receber suspensão sanitária.
Essas exigências são tanto mais transitórias quanto for a adesão das pessoas às vacinas. A Dinamarca, um dos primeiros países a exigirem passes de vacinação para a entrada em estabelecimentos fechados, já encerrou a sistemática em razão da grande aderência dos cidadãos à campanha de vacinação: mais de 80% já se vacinaram completamente. A Irlanda já planeja acabar com a exigência até o fim de outubro; Israel a havia encerrado em julho, retomou no mês passado dado o aumento de infecções com a variante delta, mas também pretende acabar com a obrigatoriedade até o fim do ano.
Como se vê, a exigência de vacinação para simples atos da vida, como a entrada em locais fechados e de natural aglomeração, é compatível com o direito de todos a um ambiente livre de agentes patógenos como a Covid-19. É essa a lógica que guia, no Direito Ocidental, o aparente confronto de direitos entre liberdade individual e o da saúde coletiva. Não pode ser diferente na verificação concreta dos casos do Direito do Trabalho. A vacinação é um pacto coletivo, de observância de donos de estabelecimento e clientes, empregadores e empregados, e aqueles que resistem a participar desse pacto devem arcar e responder pela sua omissão, seja com a negação de entrada a locais públicos, seja com o alijamento do local de trabalho.
Fabio Augusto Mello Peres, advogado pós-graduado em Relações Internacionais e em Economia do Trabalho e Sindicalismo, é integrante da Comissão de Direito do Trabalho da OAB/PR.
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