Recentemente, o presidente da Venezuela Nicolás Maduro resgatou uma campanha que é tão antiga, quanto a história daquele país: retomar parte do território da Guiana na região do rio Essequibo. Como de costume desde a chegada do chavismo ao poder, a figura do libertador Simón Bolívar é utilizada como fonte de legitimação das ações do governo venezuelano. “A espada de Bolívar está mais viva do que nunca”, bradou Maduro. Portanto, nos resta trazer algumas considerações históricas sobre essa possibilidade de conflito entre a Venezuela e a Guiana.
Desde a emancipação política dos estados latino-americanos no século XIX, a questão territorial é a maior fonte de litígios e conflitos na região. São casos exemplares a busca por uma saída marítima ao Pacífico por parte da Bolívia, ao pleitear a região de Antofagasta como seu território após ser tomado pelo Chile na Guerra do Pacífico; a delimitação da fronteira marítima entre Chile e Peru; o quase conflito entre Argentina e Chile pelo Canal de Beagle nos anos 1970, cuja mediação do Vaticano impediu a escalada para uma guerra, e; as disputas territoriais entre Equador e Peru na região do rio Cenepa, onde os dois países chegaram às vias de fato, necessitando uma mediação diplomática liderada pelo Brasil em 1995.
Todas essas disputas territoriais possuem dois cursos de ação semelhantes: ainda no século XIX foi determinado que o preceito jurídico do uti possidetis seria determinante para o desenho dos limites fronteiriços. Em outras palavras, as fronteiras respeitariam o território que pertencia aos países no momento de suas independências. O segundo curso de ação está diretamente ligado a este preceito: as disputas e as contestações sobre as fronteiras deveriam ser resolvidas através de uma mediação internacional. Ou seja, a duzentos anos a América do Sul não respeita os acordos firmados no uti possidetis e alimenta conflitos mesmo quando apela à mediação de um país ou a uma organização internacional.
A disputa pela região do Essequibo não foge à regra. Há uma disputa, inclusive, de versões: os venezuelanos alegam que essa região pertencia ao país no momento do início da campanha de libertação de Bolívar, compreendendo o que, após a independência, se chamou de Grã-Colômbia (que era formada pelos territórios atuais de Venezuela, Colômbia, Equador e Panamá). Além disso, o primeiro acordo e mapa da divisa entre a Venezuela e a colônia britânica da Guiana contemplava a região do Essequibo à Venezuela, a chamada “Linha de Schomburgk” de 1834.
No entanto, na versão britânica, a ocupação por parte de seus colonos que formavam a Guiana Britânica legitimou a incorporação desse território à atual Guiana. Os britânicos também afirmaram que a Linha de Schomburgk não criava as fronteiras de forma definitiva, havendo necessidade de um acordo bilateral entre venezuelanos e ingleses. Com isso, em 1899, foi realizada uma arbitragem em Paris envolvendo o Reino Unido e a Venezuela, sendo o país sul-americano representado pelos Estados Unidos. O acordo foi favorável aos argumentos dos britânicos, gerando uma reclamação internacional por parte da Venezuela ao longo de todo século XX e que alimenta a disputa atual.
Essa é uma disputa difícil de prever o seu desfecho. É possível que seja uma campanha nacionalista e populista por parte de Nicolás Maduro, principalmente por 2024 ser o ano de eleições presidenciais e a sua posição estar fragilizada devido às pressões internacionais por eleições livres e justas. Por outro lado, há um reclame justo e histórico por parte da Venezuela e que necessita de um acordo definitivo entre as partes. Em todo caso, são nesses momentos de disputa que vemos a falta que faz em ter uma organização como a UNASUL, que poderia ser a fonte de apaziguação e mediação, por ter sido a primeira iniciativa de integração política da América do Sul a contar tanto com a Venezuela quanto com a Guiana. Seria mais uma oportunidade de demonstrar que os países da região podem encontrar soluções pacíficas das controvérsias por si mesmos, sem a necessidade de uma potência externa, organizados de forma institucional e coletiva. Aliás, de forma como ambicionava Simón Bolívar, que sabia o momento em guardar a espada e utilizar a pena.
Guilherme Frizzera é mestre em Integração Regional pela USP e doutor em Relações Internacionais pela UnB. É coordenador do bacharelado em Relações Internacionais da UNINTER.
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