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O Poder Judiciário, com sua estrutura atual e foco nos modelos adversariais, onde um está certo e outro errado, trata apenas superficialmente da conflitualidade social, impedindo controvérsias, mas nem sempre resolvendo o conflito. Essa visão de holofote, restrita aos limites do pedido, não en­­xerga os verdadeiros interesses e, por isso, afasta-se do postulado maior, princípio e finalidade do direito, do processo e do próprio Poder Judiciário que é a pacificação social.

O holofote, ao jogar luzes sobre a disputa processual, deixa de iluminar fatos, argumentos, justificativas e razões que, na perspectiva do jurisdicionado, representariam a verdadeira Justiça. De um conflito entre pessoas, analisado sob o prisma da disputa, resultam sempre vencedores e vencidos. Por isso, o juiz fica submetido aos limites do pedido inicial e da contestação.

Nessas soluções chamadas heterocompositivas (arbitragem e julgamento) o juiz só pode decidir a partir de princípios inafastáveis, entre os quais é possível citar os que envolvem os es­­treitos limites do procedimento legal e os princípios informativos do processo. Para satisfazer integralmente os interesses de quem procura a Justiça é preciso investir na adoção de um mo­­delo consensual que amplie o foco e busque vi­­são integral, que permita tirar da situação o que ela tem de válida.

No modelo adversarial, segundo o qual se pautou a estrutura processual brasileira, o raciocínio é puramente dialético. De um conflito entre pessoas, analisado sob o prisma da disputa, resultam sempre vencedores e vencidos. Assim, em parcela significativa dos casos, o Poder Judiciário não soluciona o conflito, não resolve ou dá atenção aos verdadeiros interesses das partes, mas apenas extingue, com ou sem julgamento de mérito, a "lide processual" (aquela descrita no processo judicial e materializada na petição inicial e na contestação).

Distingue-se, portanto, aquilo que é trazido pelas partes ao conhecimento do Poder Judiciário e que a solução heterocompositiva deve focar, daquilo que efetivamente é interesse das partes, a verdade real dos fatos, e que uma solução autocompositiva (negociação, mediação e conciliação) necessariamente tem de ampliar.

Não cabe ao magistrado, na técnica processual, tomar conhecimento de qualquer fato, argumento, justificativa ou razão que não constituam objeto do pedido, competindo-lhe apenas decidir a questão nos limites em que foi proposta. Assim, continuamos a repetir que "o que não está nos autos de processo não está no mundo"!

Se isso é correto em relação aos métodos adversariais e heterocompositivos em que devemos nos ater a uma verdade formal dos autos, isso não é adequado nos métodos consensuais e autocompositivos, nos quais a maior preocupação deve ser dirigida à verdade real dos fatos.

Enquanto nos modelos adversariais e nos processos heterocompositivos há sempre vencedores e vencidos (ganha/perde), nos modelos consensuais e nos processos autocompositivos/conciliatórios buscam-se soluções vencedoras (ganha/ganha).

Se mantivermos o raciocínio adversarial, puramente dialético, e a análise do conflito circunscrito aos limites da disputa processual, continuaremos a ter perdedores.

Vimos que a finalidade do Poder Judiciário é a pacificação social, e se esse é um valor a ser buscado, independentemente do processo e do procedimento desenvolvidos para a resolução dos conflitos no âmbito do que se denomina monopólio jurisdicional, cabe a ele incentivar processos e mecanismos consensuais e autocompositivos que mais aproximem o cidadão da verdadeira justiça.

Roberto Portugal Bacellar é diretor-geral da Escola da Magistratura do Paraná, juiz de Direito, membro do comitê gestor nacional do CNJ que trata da Conciliação, e professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam)

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