Em dois artigos aqui na Gazeta – um em dezembro de 2011, outro em julho de 2014 –, afirmei que o futebol brasileiro está em decadência, e boa parte da explicação podia ser encontrada em razões econômicas e empresariais. Lembrei que equipes brasileiras campeãs aqui dentro vinham perdendo para equipes de outros países da América do Sul, sem falar da vexatória derrota por 7 a 1 para a Alemanha, na copa de 2014. Agora, na Rússia, o Brasil foi eliminado pela seleção da Bélgica, historicamente considerada de terceira linha. Não entro na análise futebolística em si, pois não sou especialista no assunto.
Nos dois artigos anteriores, abordei o fato de que os clubes brasileiros sempre estiveram entre as piores instituições em termos de gestão, eficiência e moral, e afirmei que uma das causas é o protecionismo de que desfrutam por serem associações sem fins lucrativos, não tributadas e sem fiscalização. Ou seja, nunca se tornaram verdadeiras empresas, porquanto a lei nunca exigiu que assim fosse. Embora, de algum tempo para cá o futebol tenha começado a atrair empresários e executivos dispostos a tratar esse esporte como um negócio e dirigir os clubes como empresas eficientes e rentáveis, o fato é que a evolução, nesse aspecto, tem sido muito pequena.
O sucesso decorrente de elevada renda por habitante não se dá só no futebol
Hoje, quero abordar outro aspecto: o fato de que o sucesso e a vitória seguem a renda. Ou seja, quanto maior a renda por habitante do país, maior é a chance de vitória. A própria renda alta de uma nação já é uma vitória de natureza econômica e social e o sucesso decorrente de elevada renda por habitante não se dá só no futebol, mas em tudo: na ciência, na literatura, nas artes e nos demais esportes. A meu ver, isso ocorre em face de uma correlação observada: a renda alta de um país vem da evolução da ciência, da tecnologia, do profissionalismo, da produtividade, da competência empresarial e de índices de corrupção inferiores aos países pobres.
Talento natural (coisa que o Brasil sempre teve) não basta para atingir o sucesso. Entre os países ganhadores de Copa do Mundo, o mais pobre é o Brasil. Todos têm renda anual por habitante maior que a brasileira. Em dólares de 2016, segundo o Banco Mundial: Brasil (8,6 mil), Argentina (12,4 mil), Uruguai (15,2 mil), Espanha (26,5 mil), Itália (30,5 mil), França (36,8 mil), Alemanha (41,9 mil). Esses dados foram calculados com a mesma metodologia, mas já foram revisados em função de nova fórmula de cálculo. Porém, as relações permanecem.
A questão a se perguntar é: sendo o Brasil o mais pobre de todos os campeões do mundo, continuaremos sendo a exceção a ganhar? Se nível de ciência, profissionalismo, produtividade, gestão empresarial e qualidade são maiores nos países de renda mais alta, a vitória do Brasil será cada vez mais difícil. O futebol moderno, à medida que virou um grande negócio dependente de competência técnica e empresarial, permite crer que a vitória continuará seguindo a renda. Eventuais títulos de países pobres serão escassa exceção.
Leia também: Copas, craques, vaidade, discriminação e pressão (artigo de Eloy Casagrande Jr., publicado em 30 de junho de 2018)
Francisco Escorsim: Tentei, mas não consegui desistir do futebol (publicado em 26 de junho de 2018)
Alguém disse que os Estados Unidos são ricos e não ganham títulos no futebol. É claro que não basta ter renda alta para ganhar. Há outros aspectos envolvidos. Mas os que ganham, em geral, têm renda alta. No caso dos Estados Unidos, eles não ganham títulos no futebol pela mesma razão que não ganham campeonatos de peteca. Isto é, não adotaram esse esporte. O futebol (que lá se chama soccer) é pouco mais que amador e jamais atraiu multidões e grandes negócios. Se um dia os Estados Unidos adotarem o futebol com o mesmo entusiasmo de países como Brasil, Espanha, Itália etc., não demorará muito e começarão a ganhar.
Assim como ocorre nas artes, na ciência, na literatura, na tecnologia e em vários esportes, os países pobres não ganham os torneios mais famosos do futebol, a exemplo da Copa do Mundo. O Brasil é um celeiro na geração de talentos, entretanto, pelos problemas já citados, em vez de vender o espetáculo, o país vende o artista. Aliás, dos 23 jogadores da seleção brasileira, 20 atuam no exterior. O atraso e a incompetência em fazer do futebol um negócio empresarial, capaz de gerar produto, renda e emprego, explicam por que os melhores talentos vão embora. É mais um caso em que o país exporta a matéria-prima e não o produto final. Enquanto isso, a lógica do mercado se repete: o sucesso segue a renda.
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