Só ela poderá restituir às sociedades ocidentais os valores afogados no naufrágio das finanças globais

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O debate político sobre a igualdade está se reatualizando em quase toda a parte menos no Brasil. A causa principal é a perversidade da crise financeira. Desde 1980, com a cumplicidade dos governos Reagan e Thatcher, os financistas elevaram a desigualdade a níveis estratosféricos nos EUA e na Inglaterra.

Quando a crise desabou, os banqueiros saíram mais ricos do que nunca e cobraram das vítimas a conta da destruição.

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Não admira que, abandonadas pelos governos que deveriam defendê-las, as massas desempregadas e empobrecidas engrossem a direita delirante nos Estados Unidos e xenófoba na Europa.

Talvez o único efeito benéfico dessa colossal injustiça seja o renascimento do debate sobre a igualdade. Livros e estudos originais alimentam a discussão e fornecem base para arrependimentos que se multiplicam entre os socialistas europeus. O exemplo mais espetacular foi o do New Labour, de Tony Blair, que acaba de suprimir o New do seu endereço eletrônico.

Repudia, desse modo, a indiferença diante da desigualdade, uma das marcas da chamada ‘revolução’ de Blair. Um dos coautores do manifesto ideológico do então líder trabalhista chegou a declarar em 1998 que o partido se sentia à vontade com a ideia de que alguns sejam imundamente (‘filthy’) ricos, desde que paguem impostos!

Na tentativa de reencontrar o compasso moral e readquirir a razão de existir, os partidos progressistas passaram a tomar a sério a possibilidade de recuperar a paixão pela igualdade. Apanágio dos escandinavos e mito criador, essa paixão e somente ela poderá restituir às sociedades ocidentais o senso dos valores afogado no naufrágio das finanças globais.

Tenciono examinar em alguns artigos as obras que merecem divulgação entre nós, mas antes gostaria de registrar a estranha ausência de tendência similar no Brasil. Não é que nos tenhamos tornado alheios à desigualdade brasileira que tanto nos angustiou e envergonhou até data recente.

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O motivo será até de boa índole: estonteados pela glorificação dos incipientes resultados colhidos na redução da pobreza e da desigualdade, muitos são levados a crer que o problema está resolvido ou em vias de solução.

Cabe, portanto, precisar melhor as coisas. Os ganhos são reais, significativos e visíveis: redução da pobreza absoluta de 34% e da extrema em 50% em menos de 15 anos.

O problema é que se parte de tão baixo _o critério da pobreza absoluta é menos da metade do salário mínimo e o da extrema, menos de um quarto_ que as conquistas são muito insuficientes. O mesmo ocorre com a desigualdade, com declínio médio anual de 1,2%, o que coloca o Brasil entre os 16 países de maior redução. Nesse ritmo, no entanto, levaremos mais de 25 anos para chegar ao índice dos americanos!

No aniversário da Abolição não se pode deixar de sentir alegria com a notícia de que os auto-declarados pretos avançaram 43% na renda e os pardos 48,5% na década passada, contra 20% dos brancos, segundo o estudo ‘Desigualdade de Renda na Década’ da FGV (www.fgv.br/cps/dd).

Não é razão, porém, para alimentar a auto-complacência, pois muito resta a fazer como indica o debate mundial que pretendo cobrir nesta série.

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Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda no governo Itamar Franco.