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Nos últimos dias a sociedade brasileira tem convivido com notícias sobre atos de corrupção praticados por políticos como desvio de dinheiro público, oferta de propina e favorecimentos ilícitos. Não há nada mais repugnante do que assistir pacificamente a estes acontecimentos. Diante disto, cidadãos honestos sentem-se lesados porque o dinheiro pago a título de imposto, foi simplesmente gasto sem benefício algum para esta mesma sociedade. Nos tornamos meros espectadores e, portanto, impotentes pois, o voto foi dado aos políticos e seus mandatos ficam quase que intocáveis.

Os políticos venais deveriam lembrar das palavras do ilustre filósofo alemão Kant (1724–1804) em sua obra intitulada Crítica da Razão Prática, de 1788. A certa altura ele afirma: "duas coisas enchem-me o coração de uma admiração e de uma veneração sempre novas e sempre crescentes[...] o céu estrelado sobre mim e a lei moral em mim". O céu estrelado sobre mim representa a legalidade e a lei moral em mim está no meu íntimo, é invisível. Percebe-se que este íntimo são os olhos da consciência ética. Kant supõe aqui duas legalidades: a do mundo moral, que está no meu íntimo, e a do mundo natural. Se o homem levar em conta somente o mundo natural, será apenas um animal. O que determina a nossa diferença dos outros animais é exatamente o mundo da moral; a consciência ética, o poder de refletir e optar. Uma ação de premiação ou punição surge em função deste "optar". Aliás, pode-se dizer que a nossa liberdade vem em função disso. Aqui está uma questão fundamental e delicada para ser pensada, sobretudo pelas pessoas que têm representatividade social, como os políticos.

Por outro lado, não há como não comentar as prisões feitas pela Polícia Federal na Operação Navalha, por ordem da justiça. Talvez tenha sido um dos assuntos mais marcantes dos últimos dias por dois motivos: o primeiro é a crítica feita à Polícia Federal pelo exagero no cumprimento de seu trabalho. Esta crítica foi feita pela OAB, pela Associação dos Juízes Federais, pelo vice-presidente do STF; houve até a afirmação de "instalação de um estado de polícia". O segundo, é o fato de alguns presos terem sido soltos praticamente de imediato, dando à sociedade a impressão de ter havido um "prende-solta".

Evidentemente que tanto uma situação como outra não podem coexistir com um Estado que quer ser democrático. A polícia deve ser o último recurso da lei como elemento até coercitivo porém, rigorosamente, dentro da lei; deve preservar ao máximo o respeito à pessoa, mesmo que esta tenha praticado um delito. Que não se confunda respeitar uma pessoa com a apologia ao delito. O criminoso mais perverso tem direito à defesa. Se realmente a polícia cometeu exageros, deve ser punida pela lei. "Prender-soltar" pode trazer um certo descrédito à justiça e, muitas vezes, não é compatível com o bom senso – e segundo Descartes (1596–1650), o bom senso é a coisa mais bem distribuída do mundo. Em certos casos, é uma situação constrangedora tanto para a justiça como para a polícia, e, também, para alguém que num dia estava algemado e no outro foi solto. É aqui que reside a vulgarização da prisão preventiva. Certamente que a justiça tem outros meios para prender e soltar e, em alguns casos, sem mobilizar tanto aparato. Basta recorrer ao bom senso!

Afinal, cometer injustiça é muito pior que sofrê-la. Ao cometê-la, optou-se e ao sofrê-la não. O melhor é que ninguém cometa injustiça porque é perversão de toda ordem. Parafraseando o presidente Lula, "o combate à corrupção é uma meta a ser perseguida, mas sem pirotecnia", para não dar a impressão de tendenciosidade. Por último, cabe evocar as palavras de Montesquieu (1689–1755) para todas as instâncias: "a liberdade é o direito de fazer aquilo que as leis permitem".

Jamil Ibrahim Iskandar é filósofo com pós-doutorado em Filosofia pela Universidade Complutense de Madri.

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