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No mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, é preciso também alertar que, em pleno século 21, a histórica vulnerabilidade da mulher persiste com contornos alarmantes, e na forma mais primitiva que se possa imaginar: a da escravidão sexual. Situações de tráfico de pessoas e trabalho escravo não remetem a um passado distante, casos isolados de violações em lugares remotos e um problema superado pela humanidade. Ao contrário: trata-se de questão que figura como tema central na agenda política internacional.

Atualmente, o tráfico de pessoas é uma das atividades mais lucrativas do crime organizado no mundo, sendo a terceira mais rentável atividade desse tipo de crime transnacional, ficando atrás somente do tráfico de drogas e de armas. O tráfico de mulheres para exploração sexual figura como espécie do tráfico de pessoas. Estima-se que, da totalidade de vítimas do tráfico de pessoas, quase a metade seja subjugada para exploração sexual, a qual inclui turismo sexual, prostituição forçada, escravidão sexual e casamento forçado. Entre as principais vítimas estão as mulheres.

No Brasil, o tráfico de mulheres não era considerado um problema relevante até que pesquisas incluíram o país nas rotas internacionais de tráfico de seres humanos e exploração sexual, evidenciando também a existência de rotas nacionais por todo o território.

Na seara das dificuldades conceituais em torno do crime de tráfico sexual de mulheres, um dos pontos mais complexos é o consentimento das vítimas ou seu grau de vitimização. É comum pensar que existe distinção entre a mulher que escolhe por um trabalho na indústria do sexo e outra que é forçada a isso. Em termos práticos, porém, é difícil avaliar qual é o grau de vontade própria do sujeito. Ainda que a pessoa tenha consentido com atividades relacionadas à indústria do sexo, indaga-se se ela teria se sujeitado à situação de exploração na qual foi inserida. De mais a mais, ainda que houvesse o referido consentimento à exploração, não parece razoável entender que a vítima poderia dispor de seus direitos fundamentais. Logo, o consentimento dado pela mulher deve ser considerado como irrelevante para a configuração do tráfico, pois ninguém pode escolher voluntariamente ser traficada, explorada ou escravizada. Além dos fatores já expostos, há pesquisas que salientam o fato de que as mulheres e adolescentes em situação de tráfico sexual comumente já sofreram algum tipo de violência intrafamiliar ou extrafamiliar como abuso sexual, estupro, abandono, negligência, maus tratos ou outros tipos de violência em escolas, abrigos ou outros.

Por outro lado, a pobreza é um dos principais fatores da vulnerabilidade a qualquer tipo de exploração. No caso do tráfico de mulheres, esse fato adquire um valor particular, uma vez que muitos estudos concordam que a pobreza no mundo é mais recorrente em mulheres, e inclusive atribuem a esse fenômeno o nome de "feminilização da pobreza".

O século 21 vê-se diante de um velho problema, que ressurge com novos contornos, porém caracterizado pelas mesmas violações aos direitos humanos. O tráfico de mulheres para exploração sexual é um fenômeno impulsionado pela globalização, expressão da escravidão moderna e que ascende como nova modalidade do crime organizado internacional. É alarmante saber que pesquisas apontam para a existência, hoje, de mais mulheres escravizadas sexualmente que em qualquer outro período da história.

Larissa Ramina é doutora em Direito Internacional pela USP; Louise Rocha Raymundo é graduada em Direito pela UniCuritiba.

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