Aborto é uma palavra feia. Ou melhor, é feio o seu significado, que envolve a morte do filho no ventre de sua mãe. Quando é provocado, significa que alguém matou esse filho. Para evitar a repugnância que a palavra provoca, logo os defensores da legalização do aborto começaram a fazer uso de eufemismos, como "interrupção da gravidez" e "antecipação terapêutica do parto".

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O passo seguinte foi a ambiguidade. No esforço por transformar o crime de aborto em direito, foram criados os "direitos sexuais e reprodutivos". Nessa expressão ambígua pode incluir-se o direito de uma mulher a não ser estuprada, mas também o suposto direito ao aborto. Foi nesse contexto que vimos a inclusão, na Lei 12.845/2013, da infeliz expressão "profilaxia da gravidez", referindo-se ao uso da pílula do dia seguinte, mas deixando uma fresta aberta para que pudesse ser interpretado como aborto. Solicitamos à presidente da República o veto ao inciso que traz essa expressão. Não houve veto, mas o governo enviou ao Congresso um projeto de lei que o altera, o PL 6022/2013, no qual se substitui "profilaxia da gravidez" por "medicação com eficiência precoce para prevenir gravidez resultante de estupro". No encaminhamento do PL 6022/2013, os signatários – os então ministros Alexandre Padilha, Eleonora Menicucci e José Eduardo Cardozo expressam que "o texto aprovado pelo Congresso Nacional contém algumas imprecisões técnicas que podem levar a uma interpretação equivocada de seu conteúdo e causar insegurança sobre a aplicação das medidas". Entendimento semelhante nos foi expresso verbalmente pela então ministra Gleisi Hoffmann e pelo ministro Gilberto Carvalho.

No último dia 22, entretanto, o Ministério da Saúde publicou a Portaria 415, que tratava exclusivamente da realização de abortos, nos casos ditos "legais", ou seja, não punidos pelo Código Penal. Essa portaria fazia referência à Lei 12.845/2013 como se esta previsse a realização de aborto, ou seja, fazia a leitura que os ministros haviam chamado de "interpretação equivocada". O entendimento de que a lei faz referência ao aborto teria consequências gravíssimas, com a realização do aborto dito "legal" – que não existe na lei brasileira – em toda a rede do SUS, e não apenas nos hospitais de referência, como é atualmente. Todos os hospitais da rede SUS, inclusive os confessionais, seriam obrigados à prática do aborto. Além disso, o aborto em caso de estupro poderia ser ampliado para uma vaga expressão "relação sexual não consentida".

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A incoerência era evidente. O Movimento Brasil sem Aborto, assim como vários parlamentares, solicitaram ao ministro da Saúde a revogação da Portaria 415, o que efetivamente aconteceu, por meio da Portaria 437, no último dia 29. O Ministério da Saúde foi obrigado a reconhecer que havia cometido um erro.

Foi uma vitória importante. Entretanto, é preciso que continuemos atentos, até que a Lei 12.845 seja revogada, ou modificada de modo a tratar somente do atendimento às vítimas de violência sexual, sem a inclusão da pílula do dia seguinte, que também tem efeito abortivo, e sem ambiguidades que possam resultar em sua total distorção.

Lenise Garcia é professora do Instituto de Biologia da Universidade de Brasília e presidente do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida – Brasil sem Aborto.

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