Um poema de Bertolt Brecht, lavrado em 1939, serve fielmente de expressão e dado comparativo ao brasileiro atual: "Realmente, eu vivo num tempo sombrio. /A inocente palavra é um despropósito. / Uma fronte sem ruga denota insensibilidade. / Quem está rindo é só porque ainda não recebeu a notícia terrível. / Que tempo é este em que uma simples conversa sobre árvores chega a ser uma falta, / pois implica silenciar sobre tantos crimes?" O dramaturgo e poeta alemão modificou profundamente o realismo convencional ao criar um teatro antiaristotélico e antiempático, objetivamente voltado a demonstrar e esclarecer um processo social como prioridade absoluta. A obra brechtiana não chega a uma conclusão, parte sempre dessa para a explicação. O indivíduo psicológico, a trama e os destaques do teatro tradicional são sempre submetidos à exposição dinâmica desse processo.

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Contrariando o rótulo anteriormente lhe dado de anti-realista pela crítica, Brecht é descrito como super-realista, de vez que ao encetar pesquisas sobre modus vivendi da sociedade, levou-as às conseqüências extremas. Jamais descuidando do elemento fabrelesco, sensorial, sem o qual o palco não sobrevive. No entanto, essa faceta está impreterivelmente submetida nos textos ao conteúdo da critica sociológica. Visualismo estilizado, música, dança, sugerem nas peças teatrais um romantismo formal que serve de antídoto à rigidez doutrinária. A arte está nessa mixagem. Inicialmente revolucionário do idioma alemão para o palco, coloquializando-o, pois havia total domínio de Goethe, Brecht revolucionou o teatro moderno, e sua influência tem sido fundamental à conscientização política, em todos os palcos.

"Mãe Coragem", peça mais famosa, expõe a interdependência de capitalismo e guerra, através do sofrimento de uma vendedora ambulante que, para sobreviver, precisa que a guerra continue, embora essa venha a ceifar a vida de todos os seus filhos. É Galileu, porém, a obra mais perfeita, a que melhor enfoca a noção da condição humana do autor, o maior inovador teatral desde Ilsen. O legado de Brecht propõe um teatro popular – não popularesco –, que, sem perder as características sedutoras do artificialismo, usa-o para enfatizar o conteúdo. Um teatro que não exclui nem compete com o cinema em matéria de realismo aparente, ao ter como pedra de toque a realidade sociológica. O brasileiro em uníssono protagoniza um peça teatral que chega às raias do inverossímil, entre atônito e indignado, tantos e tamanhos são os absurdos.

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Três poderes que, salvo raríssimas exceções, como a OAB, se locupletam quando há interesse grupal. Ou se digladiam ferozmente. Há contradições absurdas: governistas, parlamentares e militantes partidários apropriam-se indebitamente de verbas públicas, ou fazem parceria com empresas particulares visando à manutenção "per omnia saecula" do poder. Denunciados por parlamentares do grupo, negam, negaceiam, juram inocência ou se calam de vez, ante denúncias e provas irretorquíveis. É o recurso do "cala-te boca" como defesa. Absurdo dos absurdos é que nenhum poder constituído exija a devolução dos valores roubados! Os milhões de usurpados em seus direitos, sobre os quais caem a rigidez e a aplicação da lei sem comiseração, aguardam os atos que se multiplicam a cada dia.

Uma das peças do absurdo brasileiro mescla ridículo com drama. É o caso da Petrobrás, submetida ao rigor nacionalista do populista Evo Morales, presidente da Bolívia. Ignorando compromisso firmado pelas partes, esse dirigente cumpriu o que alardeou em campanha, enquadrando a Petrobrás que atua naquele país, elevando impostos até 82% e obrigando a vender 51% de suas ações ao governo boliviano. Caso a diplomacia venha a falhar, os contratos indicam a Câmara de Comércio Internacional e o Tribunal Arbitral de Nova Iorque como árbitros do conflito. O presidente brasileiro diz preferir "ser carinhoso a ser duro", adverte que o aumento será absorvido pela Petrobrás e não pelo consumidor brasileiro (?), afirma não ter dúvidas de que o gás não terá aumento, mas se aumentar... Como se a empresa não tivesse vínculo algum com o brasileiro! Ora...

No Brasil de hoje, as certezas presidenciais incluem um se. A novidade matreira que visa ao desvio da discussão política é o anúncio do gasoduto tripartite ora negociado com Argentina e Venezuela: "será como a Muralha da China, uma das mais extensas obras da humanidade". A obra com o pomposo nome de Gasoduto do Sul mantém a estrutura de dependência – lição não aprendida –, ao custo de US$ 20 bilhões! Bolívia e Venezuela seriam os fornecedores, os demais consumidores assíduos. Até quando eles permitirem, é claro. Somando-se a isso a máfia que manipula verbas do Orçamento Geral da União, o absurdíssimo debate sobre o nepotismo na Assembléia Legislativa do Paraná – questão que exigia aprovação unânime imediata – e outros mais, o que se tem é um teatro do absurdo para fazer inveja ao próprio Brecht.

Alzeli Bassetti é escritora, membro fundador e vice-presidente do Instituto Ciência e Fé.