Tempos atrás, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) publicou nota sobre a tão discutida, e depois aprovada, PEC do Teto. Agora, a entidade volta a se pronunciar, desta vez sobre a reforma da Previdência. Tenho de reconhecer que houve grande evolução entre aquela nota e esta que acabou de ser emitida.
Os bispos abordaram temas que realmente preocupam e que não estão sendo discutidos pela opinião pública, como a redução de proteções sociais com a desvinculação do salário mínimo para pagamento de alguns benefícios, o impedimento de um viúvo receber pensão se este já for beneficiário do INSS, e alterações em regras de assistência a produtores rurais, por exemplo. Mas, por outro lado, chamou-me a atenção o fato de a CNBB não tocar na exclusão dos militares da reforma e o fato de não questionar o porquê de não se discutir a possibilidade de atuais aposentados que ganham muito acima do teto do INSS contribuírem de forma contundente com a Previdência, proporcionando redução do déficit.
A CNBB preocupou-se mais em questionar se existe mesmo o chamado déficit previdenciário do que em propor novos temas para discussão. Preocupou-se em reforçar o coro de que a cobrança de devedores falidos poderia ajudar a resolver o problema do déficit, mas não se preocupou em analisar os valores dos déficits versus o tamanho – por que não dizer?, irrisório – dessas dívidas. Falou em dados contraditórios, o que só me faz reafirmar que a CNBB está carente de uma boa assessoria no tema. Se nossas grandes lideranças religiosas estão desprovidas de conhecimento, por que se manifestam desta forma? Não gostamos que critiquem nossa fé quando desconhecem as suas raízes; o que, então, nos dá o direito de falar sobre o que não conhecemos em verdade?
Apesar da crítica ácida, entendo o motivo que leva a CNBB a se manifestar: uma preocupação genuína com a vida, com os pobres e com as condições mínimas de sobrevivência para todo homem e mulher deste país, justiça social, a necessidade de ser profeta e denunciar. Sendo estas as motivações, passo a sugerir o que deveria estar na nota dos bispos.
A CNBB está carente de uma boa assessoria no tema
A Previdência, enquanto aposentadoria, tem como princípio o acúmulo de poupança na fase laboral de qualquer trabalhador, para que ele possa consumir esta poupança na fase em que já não tem mais condições de trabalhar. É este o princípio. A CNBB defende, na nota, a necessidade de efetivar reservas para garantir a aposentadoria futura. A previdência pública brasileira deveria funcionar assim. Mas não é isso que acontece com o INSS. Todo mês, milhares de trabalhadores contribuem com seu INSS mensal e as empresas recolhem para o INSS a cota patronal – mas este dinheiro não está sendo acumulado. Ele está sendo usado para pagar a aposentadoria de quem já está aposentado. É o que chamam de “sistema solidário de previdência”.
Buscando a sabedoria popular para explicar: estamos vendendo o almoço para poder jantar. Não há nada de “pre-vidência” nisso. Milhares de trabalhadores pensam estar garantindo sua aposentadoria ao pagar o INSS, mas na verdade estão pagando a aposentadoria de outros milhares, e quem está pagando hoje fica só com a promessa do governo de que um dia o poder público terá dinheiro para pagar sua própria aposentadoria.
Para continuar o raciocínio e aprofundá-lo, vamos usar um exemplo recente, relativo aos servidores do município de Curitiba. Segundo a Gazeta do Povo, o modelo atual da previdência municipal precisaria de quatro servidores trabalhando para pagar um aposentado do funcionalismo da cidade. A lógica de não poupar é a mesma da previdência nacional, embora no caso de Curitiba exista um fundo de acumulação. Contudo, hoje já são 16 mil aposentadorias e pensões, e só existem 32 mil servidores na ativa. Quando estes 32 mil servidores se aposentarem, quem pagará sua aposentadoria serão os da ativa do futuro, que não poderão ser muito mais que 32 mil. Este exemplo deixa bem claro que quem está na ativa pagará cada vez mais caro por quem está aposentado, segundo o modelo do INSS de “vender o almoço para pagar o jantar”.
Na prática, os atuais 32 mil servidores da ativa atualmente não têm nenhuma garantia de que existirá dinheiro da previdência para pagar suas próprias aposentadorias. Para terem seu direito garantido, quem pagará mesmo suas aposentadorias seremos todos nós, por meio do aumento de impostos (no caso, municipais). Alternativamente, e aí entra a proposta de alteração que o atual prefeito está encaminhando, os 32 mil ativos de agora vão ter de contribuir um pouco mais hoje para poderem eles mesmos garantirem sua aposentadoria no futuro, num sistema que se aproxima cada vez mais do modelo de acúmulo na fase laboral. Logo, expandindo para o INSS este problema que temos na prefeitura de Curitiba e que, acredito, é fácil de entender, fica evidenciado que realmente há um grande problema na Previdência oficial, e que precisa ser resolvido.
Nossos bispos deveriam ser a voz a conclamar toda a população a compreender que mais importante que pensar na aposentadoria é o trabalho que nos dignifica, como nos ensina São Paulo na carta aos tessalonicenses. E que todos os que podem contribuir com sua força de trabalho devem continuar sustentando nossa nação, para que todos tenhamos condições mínimas de assistência quando precisarmos. E, por outro lado, os bispos deveriam cobrar do governo que incluísse os militares e suas aposentadorias e pensões na reformulação atual, porque todos somos responsáveis por um Brasil mais equilibrado e justo. Deveriam cobrar que aqueles que ganham fortunas na aposentadoria passassem a pagar 30%, talvez 50% do seu provento para o INSS, de forma a contribuírem com a assistência que precisamos dar a quem não pode subsistir sem ajuda da sociedade. Por que não discutimos seriamente tudo isso, em vez de ficar colocando dúvidas sobre um sistema que sabidamente não se sustenta?
Tenho orgulho da minha fé e da minha formação cristã e católica, mas não compreendo minha Igreja quando não consegue trazer luz para todos nós.
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