É de se notar que as autoridades públicas, bem como a própria sociedade, parece enxergar as denominadas “pessoas socioeconomicamente ativas” como sujeitos que ameaçam a estabilidade nacional, em especial acerca de fatores atinentes à distribuição de renda, supostamente concentrando para si toda a riqueza em um monopólio do poder aquisitivo que objetiva tão somente a satisfação de seus próprios interesses. Da mesma forma, o poder econômico parece ser um fator que influencia a intervenção das forças de segurança pública, conforme pode-se extrair dos recentes acontecimentos atinentes à deflagração de operação da Polícia Federal que, objetivando apurar uma possível prática de associação criminosa voltada a abolir violentamente o Estado Democrático de Direito, efetuou buscas e apreensões, bem como outras ações como quebras de sigilo telemático, contra empresários.
Na mencionada diligência policial, determinados empresários, qualificados como “pessoas socioeconomicamente ativas”, foram alvo de medidas investigativas extremamente invasivas em decorrência da divulgação de prints de conversas ocorridas em grupo privado de WhatsApp.
Tais conversas, conforme alegado, continham indícios acerca da existência de risco de atentados à democracia, tendo em vista que retratavam opiniões acerca de golpes de Estado e, de acordo com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, essas manifestações ilícitas são potencializadas em razão da condição financeira dos interlocutores.
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Neste contexto, o cenário apresentado exprime diversas indagações acerca da legalidade das diligências e ações realizadas contra os empresários. Num primeiro momento, é importante que se reflita acerca da proteção das comunicações ocorridas em âmbito privado.
Considerando que as conversas que motivaram a intervenção policial ocorreram em espaço privado de interlocução, ainda que em ambiente virtual, estas são, a princípio, protegidas pelo direito à intimidade e a vida privada, conforme constitucionalmente consagrado no inciso X do Art.5º da Constituição Federal.
Por outra perspectiva, sabe-se que o iter criminis – etapas da prática delitiva – conforme estudado na doutrina jurídica e apregoado pela jurisprudência nacional, não há previsão de qualquer punição para a primeira fase de uma empreitada criminosa, qual seja, a cogitação. Isso significa que, tal como o pensamento, a cogitação é livre, e não pode – e nem deve – ser criminalizada.
Nesta linha, se as conversas dos empresários que foram divulgadas apenas enunciam a cogitação da prática de atos que poderiam abolir o Estado Democrático de Direito e intervir no Poder Judiciário, trata-se de mero debate de ideias. Pensar ou cogitar sobre práticas criminosa não é sequer objeto de previsão da legislação penal brasileira. Há de se pontuar que, em um Estado Democrático de Direito, a prática de determinadas condutas pode ser criminosa, a opinião não.
Em conclusão, as ações contra os empresários não se justificam. Além da fragilidade de elementos que baseiam a decretação das medidas em comento, respaldadas em prints de conversas de WhatsApp, o fato de os interlocutores envolvidos em debate ideológico serem “socioeconomicamente ativos” não deveria ser indicativo de ameaça à democracia apto a fundamentar atos de investigação invasivos, haja vista que o pressuposto democrático de legalidade rechaça a valoração negativa de meras circunstâncias profissionais para respaldar a intervenção do Estado na esfera privada do indivíduo.
Leonardo Tajaribe Jr. é advogado criminalista, especialista em Direito Penal Econômico (COIMBRA/IBCCRIM), pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal (UCAM). É conselheiro de Assuntos Jurídicos e Estratégicos da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ).
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