O aspecto mais relevante desse acordo [entre o Hamas e o Fatah] é que ele servirá de exemplo num lugar do planeta onde o que vemos são enfrentamentos e a ameaça de fundamentalistas se aproveitando da situação
Na semana passada foi assinado um importante acordo de reconciliação entre o Hamas e Fatah, fruto de uma negociação entre os principais partidos políticos palestinos. Esse acordo marca o fim da crise por que passava a Palestina, dividida desde 2007, quando o Hamas passou a governar a Faixa de Gaza, e o Fatah, a maioria dos territórios da Cisjordânia. Essa cisão entre o povo palestino se deu devido às eleições parlamentares de 2006, nas quais o Hamas saiu vencedor. Nessa época, o Hamas recebeu a legitimidade nas eleições de representar a causa palestina, mas não tinha experiência de governo, por ser, até então, um grupo de resistência armada.
Logo que o Hamas assumiu o poder, ou seja, a Autoridade Nacional Palestina (ANP), o extremismo de seus líderes e a falta de um projeto político ficaram evidentes e o caos passou a atingir, ainda mais, o povo palestino, que foi privado, além de tudo, da ajuda internacional que recebia. As Organizações Internacionais, os Estados Unidos e a própria União Europeia deixaram de enviar o repasse de verba para o governo palestino, por reconhecerem o Hamas como um grupo terrorista. Piorando ainda mais a situação, em 2007, depois da Batalha de Gaza, os dois principais partidos se afrontaram e ficaram separados até então. De um lado, na Faixa de Gaza, o Hamas fundamentalista e com pouco conhecimento de como administrar as instituições e o seu povo, e do outro o Fatah antigo partido de Yasser Arafat, da Organização de Libertação da Palestina (OLP), na Cisjordânia com anos de existência e uma tranquilidade que só os mais velhos, que já passaram por muitas lutas, conseguem ter. Claro que Israel só negocia com o Fatah, que o reconhece como Estado soberano, e isola o Hamas por suas atividades revanchistas. Por todas essas razões que o acordo assinado é importante.
O acordo, no entanto, vem representar algo maior no cenário internacional, deixando evidente o fato de que, num território minúsculo como a Palestina, os dois principais partidos que se enfrentavam passam a se entender e visualizar um futuro conjunto para o seu povo. Primeiramente, o fato de o Hamas ter amadurecido como partido político. É fundamental, para qualquer causa, que haja pessoas que lutem por ela. Essa luta pode começar por uma luta armada, com o que não concordo, e seguirá um caminho que, invariavelmente, chegará a negociações e a civilidade de seus seguidores. Isso aconteceu, por exemplo, com o IRA que evoluiu para o partido político Sinn Fein; o ETA que têm o Partido Nacionalista Basco, representante de sua causa; e o próprio Fatah que evoluiu para a OLP. Assim, vemos também o caso do Hamas, que está negociando no lugar de ameaçar, atirar ou explodir. Vale lembrar que grupos como as Farc ou a Al-Qaeda nunca sofreram uma evolução pelo fato de seus líderes não representarem um povo ou uma causa, e sim seus interesses próprios.
Em segundo e, claro, o aspecto mais relevante desse acordo é que ele servirá de exemplo num lugar do planeta onde, atualmente, o que vemos são enfrentamentos e a ameaça de fundamentalistas se aproveitando da situação. O Hamas não conseguiu nada com a sua postura radical. Com o passar dos anos e as dificuldades enfrentadas, foi reconhecendo a necessidade de entendimentos e de flexibilização. Não existe mais lugar para radicais, nem liberais totais (vide o caso do Obama), nem comunistas ferrenhos (até o Fidel, quem dirá a China), nem tiranos retrógrados e autoritários. O Oriente Médio precisa de negociação, de acordos, de regras que sirvam para todos e não para poucos e, sobretudo, de paz. E tomara que "essa paz" sirva de modelo, não um exemplo vindo do Ocidente opressor, e sim vindo de seus próprios representantes.
Angela Moreira, formada em Relações Internacionais pela UnB, é mestre em Ciências Políticas pela Universidade de Montréal e professora no Centro Universitário Curitiba (UniCuritiba).
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