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Após anos de negociações, com avanços e retrocessos, o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia finalmente foi assinado em dezembro de 2024. Claro que ainda há muito a regulamentar, mas o passo primordial foi dado. Com a perspectiva de redução de tarifas comerciais e abertura de mercados, as relações econômicas entre os dois blocos certamente ganharão uma nova dinâmica. Para o setor de e-commerce, que se expandiu mais de 20% ao ano no Brasil nos últimos anos, as oportunidades são tentadoras: um mercado europeu com mais de 450 milhões de consumidores. Mas, na outra ponta, a pressão por adaptações também será inevitável.
A União Europeia costuma estabelecer padrões rigorosos para produtos importados, tanto em termos de qualidade quanto de sustentabilidade. Com o acordo, empresas brasileiras interessadas em exportar para o mercado europeu precisarão se adequar a critérios ambientais e de segurança que vão muito além do que é exigido internamente. Isso vale para tudo: desde a certificação de produtos agrícolas até a comprovação do uso de embalagens recicláveis ou biodegradáveis em itens manufaturados. Não à toa, dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços do Brasil apontam que mais de 70% das pequenas empresas exportadoras brasileiras ainda encontram barreiras técnicas para acessar mercados europeus.
No fim das contas, o acordo Mercosul-União Europeia não é apenas um tratado comercial. É também um teste de resistência para o setor de e-commerce e logística do Brasil
No e-commerce, onde agilidade e volume são fundamentais, essas exigências podem ser vistas como um entrave – ou como um diferencial competitivo para quem conseguir sair na frente. Empresas nacionais que já operam com marketplaces europeus começam a sentir a urgência de adequações em prazos curtos. Ao mesmo tempo, cresce o questionamento: estarão as pequenas e médias empresas brasileiras preparadas para competir com gigantes do mercado europeu, que agora terão acesso facilitado ao Brasil?
Por um lado, o acordo derruba barreiras tarifárias que encareciam produtos brasileiros na Europa e promete um aumento significativo nas exportações. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) estima que a medida pode impulsionar o PIB brasileiro em 0,4% nos primeiros anos de vigência. Isso é expressivo, especialmente para setores como agronegócio, calçados e artesanato – segmentos que encontram no e-commerce uma ferramenta direta de conexão com o consumidor final. Produtos brasileiros de nicho, como cafés especiais ou cosméticos naturais, podem ocupar espaços valiosos em prateleiras virtuais europeias, onde o selo "feito no Brasil" carrega um charme quase exótico.
Por outro lado, a fiscalização europeia não é branda, e a pressão por transparência é crescente. Um exemplo é a Lei Europeia Antidesmatamento, que obriga exportadores de produtos como carne, soja e madeira a provarem que sua produção não contribui para a degradação ambiental. Empresas de logística e marketplaces brasileiros serão forçados a adotar tecnologias de rastreamento e certificação que garantam a conformidade – sob pena de bloqueio de produtos. No cenário do e-commerce, isso representa um custo operacional que pode inviabilizar a competição para pequenos exportadores.
É um paradoxo. Se, por um lado, o acordo abre portas inéditas para o Brasil expandir sua presença no maior bloco econômico do mundo, por outro, cria uma “barreira invisível” para aqueles que não tiverem preparo técnico e financeiro para atender às exigências. O que o consumidor europeu ganha em qualidade e sustentabilidade, o pequeno empresário brasileiro pode perder em acesso. Há também uma questão de tempo: enquanto grandes indústrias conseguem recursos para se adaptar rapidamente, as pequenas empresas talvez precisem de incentivos governamentais e capacitação específica para não ficarem à margem.
No fim das contas, o acordo Mercosul-União Europeia não é apenas um tratado comercial. É também um teste de resistência para o setor de e-commerce e logística do Brasil. Quem estiver disposto a investir em qualidade, sustentabilidade e tecnologia tem tudo para se beneficiar – e, possivelmente, mudar de patamar. Aos demais, restará assistir de fora, enquanto produtos brasileiros ganham destaque em vitrines digitais do outro lado do Atlântico. Talvez seja essa a pergunta mais incômoda que o acordo nos deixa: teremos tempo para competir à altura ou perderemos o embarque para um dos mercados mais exigentes e interessantes do planeta?
Luciano Furtado C. Francisco é analista de sistemas, administrador e especialista em plataformas de e-commerce. É professor do Centro Universitário Internacional – Uninter, tutor no curso de Gestão do E-Commerce e Sistemas Logísticos e no curso de Logística.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos