Os freqüentes movimentos de instabilidade dos mercados financeiros internacionais, em tempos de globalização, têm servido como justificativa bastante plausível para a adoção de estratégias de multiplicação dos níveis de reservas cambiais, por parte das principais nações emergentes, como instrumento de defesa ante a deflagração de ataques especulativos contra as moedas nacionais não conversíveis, conferindo maior fôlego aos respectivos bancos centrais e às políticas econômicas.
Recorde-se que, em ocasiões de mercados mais fechados e com menor mobilidade das correntes de capitais, as referências internacionais fixavam montantes de reservas próximos da cobertura entre seis meses e um ano de importações como uma espécie de salvo conduto aos riscos de descontinuidade nos fluxos de comércio e de recursos financeiros mundiais.
O cenário de mundialização da produção, comércio e finanças, pós-anos 1980, determinou a fragmentação das nações em segmentos emissores de padrão monetário (Estados Unidos), em ofertantes de haveres conversíveis (zona do euro e Japão) e em não-detentores do poder de emissão, classe que hospeda primordialmente os países emergentes.
Mesmo tendo saltado de menos de US$ 20,0 bilhões em 2002 para cerca de US$ 70,0 bilhões em agosto de 2006 (o que corresponde a duas vezes a dívida externa pública e privada em um ano), as reservas cambiais brasileiras ainda estão aquém dos valores registrados tanto por gigantes como Japão e China (mais de US$ 900,0 bilhões) quanto por economias de menor porte como Taiwan, Coréia, Rússia e Índia (na faixa dos US$ 200,0 bilhões), aplicados em maior proporção em títulos do governo norte-americano.
O principal inconveniente da perseguição de elevação dos estoques de reservas em dólares por parte do Brasil repousa no enorme impacto fiscal, dada a necessidade de o Tesouro Nacional ser forçado a recorrer à emissão de papéis, para esterilizar o excedente de oferta monetária em reais derivado da conversão dos dólares adicionais, operação onerada pelo diferencial entre juros internos versus internacionais.
A minimização do custo fiscal requer, fundamentalmente, a busca de paridade entre o preço do dinheiro no país e no exterior, acrescentado o grau de risco. Até porque a orientação de construção de grandezas consistentes de reservas internacionais deve levar em conta o perfil temporal do endividamento externo brasileiro, incorporando as estimativas de procura por dólares em estágios de instabilidade.
Nesse contexto, é imprescindível a combinação entre as engrenagens centradas na ousadia na gestão econômica e nos esforços de negociação política para o rompimento do imobilismo reinante no Congresso Nacional, incluindo o incremento do crédito ao setor privado e das inversões em infra-estrutura econômica e social e os objetivos de maior homogeneização dos desdobramentos redistributivos dos programas de transferência de renda. Só assim será factível a sintonia entre elevação sustentada das taxas de poupança e de investimento e controle estrutural da inflação.
No tocante ao estoque de crédito, a despeito da maior expansão do último decênio, verificada entre 2003 e 2006 (passando de 24,0% do PIB para 33,0% do PIB), percebe-se pronunciada concentração nos empréstimos às pessoas físicas, particularmente aquele em consignação, cujos montantes representavam quase 50,0% do crédito pessoal total em maio de 2006.
Quanto à redistribuição de renda, cálculos da Fundação Getúlio Vargas atestam incremento na participação dos 50,0% mais pobres na renda gerada de 10,0% em 2002 para 12,2% em 2005, contra declínio de 50,0% para 46,3% da parcela absorvida pelos 10,0% mais ricos, em igual intervalo. Esse comportamento pode ser atribuído à utilização da cesta de programas assistenciais (Bolsa-Família e benefícios previdenciários indexados ao salário mínimo como as aposentadorias rurais), acoplada à devolução do poder de compra dos rendimentos, propiciada pela redução estrutural da inflação.
O prosseguimento da marcha na direção da eqüidade social esbarra na ausência de âncoras estruturais à retomada do crescimento, sobretudo quando, de um lado, as elevadas cargas tributárias e de juros asfixiam os investimentos e, de outro, as correções mais encorpadas do salário mínimo, descoladas da curva de produtividade da economia, impulsionam os dispêndios previdenciários e, por conseguinte, a informalidade e a precarização das relações de trabalho.
Não por acidente, pesquisa recente do Banco Mundial colocou o Brasil na 119.ª posição no ranking de 155 nações no item facilidades para a realização de negócios. O peso dos tributos aproxima-se de 40,0% do PIB no Brasil, quando incluídos as receitas das três instâncias da administração (União, estados e municípios) com impostos, taxas e contribuições, e acrescentando a arrecadação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e do sistema S.
O alarmante é que o ingresso fiscal de 20,0% do PIB é representado por impostos indiretos (ICMS, IPI, PIS e Cofins), incidentes, em maior medida, sobre os níveis de renda da população mais pobre.
Gilmar Mendes Lourenço é economista e coordenador do curso de Ciências Econômicas da UniFAE Centro Universitário FAE Business School.