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As ofensivas contra a ordem democrática contemporânea exigem ações defensivas de caráter preventivo. Essas ações devem ser promovidas, de modo particular, pelos principais agentes institucionais, responsáveis pela guarda da Constituição. Nenhuma Constituição é rasgada do dia para noite; sua derrocada não cai como raio de um céu azul. Os blocos que sustentam o edifício constitucional são, geralmente, removidos paulatinamente, até que, em determinado ponto, toda estrutura desaba. Identificar o fenômeno e antecipar-se a ele é fundamental.
É dessa forma que se pode visualizar os debates sobre as interpretações do art. 142 da Constituição de 1988 e, especificamente, a problemática em torno da previsão de uma “intervenção militar constitucional”. Para qualquer pessoa com o mínimo de conhecimento jurídico e honestidade intelectual, é notório que o art. 142 da Constituição não confere “poder moderador” às Forças Armadas. Somente com um contorcionismo hermenêutico abusivo e absurdo poder-se-ia chegar a essa conclusão. Considerando o contexto político e o histórico nacional, não há dúvidas do que se busca com essas abordagens: legitimar um golpe contra a Constituição e seus valores essenciais.
Mas a questão é: como pode essa discussão ter ganhado tamanha dimensão a ponto de obrigar a nossa Corte Maior a se manifestar sobre o tema? (Ação Direta de Inconstitucionalidade 6457/DF). A resposta a essa indagação está, evidentemente, na dinâmica do processo político, que não pode ser ignorada. Na verdade, os inimigos da Constituição obrigam os seus defensores a agirem antes que seja tarde. Os possíveis artífices dessas interpretações “criativas” sabem o que estão fazendo. Infelizmente, estes conhecem muito melhor o fundamento último da ordem jurídica e não vivem de miragens normativas.
Assim, hoje temos que defender não só que a terra não é plana, mas também que inexiste poder moderador militar. É esse um sintoma das crises do nosso tempo. O Supremo Tribunal Federal encontra-se, então, nessa situação absurda de antecipar-se ao jogo político, firmando a interpretação conforme a Constituição. Se os argumentos jurídicos são essenciais para legitimar condutas políticas, então é importante que o principal guarda da Constituição (art. 102, caput, da CF/88), coloque ponto final ao problema.
Impende, contudo, dizer que o Supremo Tribunal Federal está no centro dos conflitos contemporâneos; portanto suas decisões jurídicas são cada vez mais confrontadas pelos inimigos da Constituição. Diante desse quadro, seria mais do que necessário um posicionamento do Legislativo. É importante uma alteração do art. 142 da Constituição, de modo a negar de forma explícita e direta a existência de qualquer faculdade de intervenção às Forças Armadas no que diz respeito aos conflitos de poderes.
Alessandro Soares é advogado e sócio do escritório Martins Cardozo Advogados Associados, professor de Direito Constitucional na Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), e doutor e mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP).
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos