Curitiba completou 320 anos. Seria interessante imaginar como nossos conterrâneos do passado nos teriam imaginado. Não teriam pensado numa cidade com carros, por exemplo. Talvez tivessem pensado muito pouco, pois acreditamos que o presente dessas pessoas distantes era mais estável do que podemos acreditar: se o presente é estável, para que serve pensar no futuro, pois se nada em princípio mudará? Viam-se as poucas casas se multiplicarem, as ruas se alongarem, alguns lugares públicos se adensarem; mas tudo isso era certamente muito pouco para acreditar que o futuro seria diferente do presente.
E hoje? Hoje sabemos que o futuro será diferente; temos certeza disso, pois nosso próprio presente parece se alterar e a insegurança de como será o amanhã é uma das principais características de nossas cidades. Os últimos anos foram particularmente dinâmicos para muitas cidades brasileiras: nunca se reformou tanto, nunca se construiu tanto, nunca se urbanizou tanto. Tudo isso foi para melhor? Muitas das coisas, acreditamos que sim. Outras, nem tanto.
Vejamos. Por muitos anos estávamos acostumados ao nada acontecer, apenas a assistir às demandas de nossos moradores aumentarem: cada vez mais faltavam casas, cada vez mais faltavam escolas, cada vez mais os déficits cresciam. De repente, sem nos apercebemos com clareza, as obras começaram. Acostumados a uma carência enorme, no início aceitávamos essas obras como benéficas pelo simples fato de se concretizarem. Aplaudimos os novos conjuntos populares, as vias asfaltadas e alargadas, as redes de saneamento expandidas.
Num segundo momento, começamos a ver que essas obras careciam de qualidade. Agradecemos pelo quantitativo que nos ofertaram, mas começamos também a perceber que faltava a preocupação com a qualidade e com o detalhe. Teríamos chegado, então, à tão desejada situação de podermos discutir a qualidade e não mais a carência? Quase isso. Mas estamos discutindo essa falta de qualidade? Muito pouco; já a percebemos, mas ela ainda não compõe nossas temáticas de discussão sobre a cidade de forma mais contundente.
Pensemos em alguma obra de impacto na cidade de Curitiba. Pensemos se nela havia um esforço de design urbano, ao particular e à beleza; pensemos se havia, de fato, uma preocupação não apenas com sua função, mas com a perfeição com que deveria ter sido construída, com a mudança na paisagem que provocou, com o ineditismo e criatividade de sua proposta. Esses são fenômenos que formatarão nosso futuro: igual ao de várias outras cidades ou distinto positivamente delas. Estruturas e grandes obras urbanas são fatos de difícil alteração. Uma via ou uma grande obra arquitetônica dificilmente desaparecerá para sempre de nosso cenário; mesmo demolida, ainda influenciará a forma de ocupação que se seguirá.
Então, podemos imaginar o futuro pela simples alteração do presente da forma como o vemos? Sim, mas estaremos parcialmente corretos. Neste caso, parcialmente, já temos, então, um cenário futurista de nossa cidade que talvez tenha avançado no atendimento a demandas, mas ainda é tímida na novidade e na qualidade de nossos espaços.
Prever o futuro, ainda que com grandes chances de errar, é tentador. Se o passado explica um pouco de nosso presente, mas não garante o entendimento do futuro, nos resta o bom sonho ou o pesadelo do pessimista. Independentemente daquilo que vemos no nosso cotidiano, podemos arriscar como seria a nova cidade. Como podemos imaginar que será o aniversário da Curitiba quatrocentona? Será talvez um mundo urbano tão diferente que não fará mais sentido relembrar a fundação da cidade. Todos nós falaremos inglês? Todos nós andaremos de metrô? Todos nós teremos casa? Tudo indica que a resposta a essas perguntas é sim. Todos nós moraremos em boas casas e todos nós olharemos as obras públicas, os espaços abertos, os prédios que usamos impressionados pela qualidade com que foram feitos? Ao que tudo indica, não. Mas e o futuro que independe do passado e do presente? Ah, aí temos uma chance. Bem-vindo ao novo e, mais ainda, ao inesperado em nossas cidades.
Maria Luiza Marques Dias, arquiteta, é professora na Universidade Federal do Paraná e coordenadora do Plano Diretor desta universidade.
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