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Será possível que a grave crise institucional e de credibilidade dos governos, instalada em nosso país com o aprofundamento de investigações que desvendam uma face obscura e cruel do exercício do poder por parte de alguns gestores públicos e empresários, capazes de prejudicar materialmente vidas com ações que retiram dos cofres públicos bilhões de reais destinados à mordomia e ao desfrute de poucos, possa produzir no cenário interno da administração pública um processo inverso, de valorização da função pública? De maximização da expressão “servidor público” e de seu real sentido de servir ao público? Será possível sairmos dessa crise mais fortes do que entramos? Imunes ao descontrole e ao descaso das autoridades?

Há tempos me manifesto sobre a necessidade de se valorizar o servidor público de carreira e de se respeitar a Constituição, mas apenas após ler o livro Antifrágil, de Nassim Nicholas Taleb, me dei conta de que só esse servidor valorizado é capaz de produzir uma revolução na gestão pública de nosso país, ainda dominada pelo abuso de poder, pelo acordo de interesses escusos (conluio), pela justificativa em detrimento da iniciativa, enfim, pelo “jeitinho brasileiro”.

O citado autor propõe que tentemos imaginar o antônimo de frágil – que para ele, longe de ser resistente, induz a noção de antifrágil. Explico: propõe o autor que pensemos em um objeto qualquer. Esse objeto, para ter a característica de frágil, teria de ser manipulado de forma muito cuidadosa, sob pena de romper-se à menor pressão ou descuido. Porém, se esse objeto, ao ser manipulado, permanecesse com as mesmas características que aquelas inicialmente verificadas, ou seja, sem qualquer alteração em sua forma, estaríamos diante de um objeto resistente (forte, resiliente). Se, ao revés, pensarmos em um objeto que após manipulado de forma equivocada e não recomendável, em vez de continuar com as mesmas características melhorasse com a adversidade (caos), estaríamos diante de algo antifrágil.

A antifragilidade da administração independe de reforma política e se faz com profissionalização do serviço público e respeito à Constituição

Para ir além, o autor propõe uma outra análise, desta vez ancorada na mitologia, comparando Dâmocles, a fênix e a hidra. Para ele, a figura mitológica de Dâmocles – cortesão romano que desfruta de um belo banquete, tendo sob sua cabeça uma espada amarrada ao teto por um único fio de cabelo de cavalo – representa o frágil. A fênix – pássaro com cores esplêndidas que, sempre que atacado, renasce das próprias cinzas, exatamente como era – representa o resistente; e a hidra – criatura que se parece a uma serpente com várias cabeças e que, quando lhe cortam uma delas, nascem duas no lugar daquela atingida – representa o antifrágil.

Não podemos deixar de considerar os conceitos trazidos em face da grave crise instalada na administração pública brasileira, porque mais do que nunca precisamos crescer diante de todo o caos, agir de forma não apenas a ultrapassar esta crise, mas sair ainda melhor dela, concretamente.

Mas como isso é possível? Como produzirmos uma Administração Antifrágil, capaz de dar uma resposta concreta aos cidadãos e de produzir uma revolução interna consistente e permanente? É simples: a antifragilidade da administração independe de reforma política e se faz com profissionalização do serviço público e respeito à Constituição!

Valorizar o servidor é dotá-lo de condições decisórias internas independentes, alheias a interesses políticos, em que a técnica prevaleça em detrimento de opções oportunistas. É desvincular sua promoção ou crescimento funcional do tempo dedicado ao serviço, permitindo que haja crescimento meritório, por produtividade, eficiência e resultado. Uma Administração Pública Antifrágil é, para além disso, uma administração que respeite a Constituição, o devido processo legal, a inexistência da verdade sabida, o direito de ampla defesa, as garantias fundamentais de qualquer cidadão, sob pena de – ao mesmo tempo em que produz justiça – deixar escapar, sob as barras das nulidades, a clara possibilidade de mudar a realidade.

Essa revolução só depende de nós. Sejamos hidra, pois, caso contrário, o fio de cabelo de cavalo que segura a espada romperá sobre nossas cabeças.

Rodrigo Pironti, advogado e doutor em Direito Econômico, é professor da Universidade Positivo.
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