A Volkswagen pretende diminuir 20.000 pessoas em sua força de trabalho mundial para se manter competitiva. A Intel, líder na produção de semicondutores vai dispensar 10.000 trabalhadores para gerar economias de 2 bilhões de dólares por ano. E quem diria, até a orgulhosa GM, de quem se dizia que o que era bom para ela, era bom para os Estados Unidos, está tentando forjar uma aliança estratégica com a francesa Renault para sobreviver. Ao fundo os chineses, gastando menos de cento e sessenta dólares de mão-de-obra para fazer um carro popular, 20 vezes menos do que americanos e alemães.
O rumo que o capitalismo global está tomando é assustador sob qualquer aspecto. Cada vez mais a tecnologia contemporânea reduz o componente humano nas atividades de produção e de gerência enquanto, ao mesmo tempo, a pressão dos custos e a ganância empresarial aumentam a importância de uma palavra maldita para os trabalhadores dos países desenvolvidos: "outsourcing", a transferência de fábricas para países em que os fatores de produção, especialmente a mão-de-obra, são mais baratos. Milhares de empresas americanas e européias migraram nos últimos anos para o oriente e a América Latina levando com elas milhões de empregos. Num primeiro momento, o Brasil até pode ganhar com essa tendência e atrair capitais internacionais para produzir manufaturas aqui a custos menores, mas essa vantagem é ilusória e temporária. Num ambiente globalizado, as técnicas de redução de custos e de aumento de eficiência rapidamente se disseminam e se antes o operário americano perdia o posto de trabalho para um trabalhador do ABC, logo, logo, o trabalhador do ABC estará perdendo seu emprego para um chinês ou vietnamita ou paraguaio.
A crise estrutural da economia de mercado vai muito além do outsourcing pois o modelo atual de alta utilização de energia e de materiais para a produção é simplesmente insustentável. Se a China e a Índia, cujos padrões de consumo e de aspirações rapidamente estão se ocidentalizando aumentarem a relação atual entre veículos e habitantes para os níveis brasileiros de 1 veículo para cada grupo de 9 habitantes, colocarão no mercado e no meio ambiente mais 250 milhões de veículos, um terço de tudo o que existe atualmente. Não há ambiente que resista a uma agressão desta magnitude.
Paulo Roberto Haddad, ex-Ministro do Planejamento e da Fazenda que é um economista extremamente lúcido vem alertando para a inviabilidade desse tipo de economia a longo prazo e tem divulgado os princípios do chamado "capitalismo natural", baseado no uso e não na propriedade dos bens. Na situação atual, alguém que compra uma geladeira ou outro bem qualquer é potencialmente um gerador de lixo pois mais dia menos dia a geladeira ficará obsoleta ou quebrará e ficará mais barato e fácil comprar outra do que consertá-la. Vivi esta experiência com um aparelho de DVD que, já fora da garantia, custaria mais para consertar do que substituir por um novo. O "capitalismo natural" pressupõe que o consumidor alugue o uso do aparelho em vez de comprá-lo e que, quando quiser trocar por um novo ou mais moderno devolva o antigo para o produtor, que o reciclará, fechando assim o ciclo de produção. Em diversos estados americanos e também na Europa, os princípios do capitalismo natural são crescentemente utilizados. Por exemplo, é o produtor do refrigerante que deve recolher as embalagens, evitando que o lixo doméstico se multiplique na velocidade exponencial de nossos dias.
Mas já que não se pode imaginar um sistema econômico sem consumidores para os produtos, o problema de gerar oportunidades de trabalho permanece sem solução. E aí a solução exige muito mais. É preciso reconceituar o trabalho produtivo, reconhecer como fez Guerreiro Ramos que as atividades produtivas de uma sociedade se dão nas empresas e também nas organizações não-econômicas. Alguém que trabalha para sua igreja, que se dedica ao artesanato ou às artes está produzindo da mesma maneira que um funcionário que bate o ponto e recebe um holerite no final do mês. Portanto, é essencial facilitar de todas as maneiras a geração de ocupações dos mais diferentes tipos, desonerando a atividade empresarial e produtiva, facilitando a criação de novas empresas e de outros tipos de organização capazes de gerar oportunidades de utilização do trabalho humano.
A verdadeira modernidade não está nos computadores de último tipo e sim na capacidade de se adaptar rapidamente às novas realidades tecnológicas e sociais que se sucedem com a velocidade da luz.
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