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 | Daniel Castellano / Arquivo Gazeta do Povo
| Foto: Daniel Castellano / Arquivo Gazeta do Povo

É bastante conhecido o debate sobre a morosidade do processo de adoção no Brasil. Todos ouvimos dizer sobre a quantidade de crianças que esperam ser adotadas e de famílias que sonham em adotar. A dificuldade é entender por que tantas crianças continuam aguardando um encaminhamento para a sua situação. Para compreendermos esse processo, é necessário conhecer um pouco a legislação e como funciona o processo de encaminhamento de crianças para o sistema de acolhimento e de adoção no Brasil.

Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, a adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa. É importante que compreendamos o porquê de a adoção ser uma medida excepcional: a família de origem é o lugar onde naturalmente a criança constrói os primeiros vínculos; onde, a partir da relação com seus pais e irmãos, desenvolve sua identidade pessoal, mais ou menos saudável a depender da segurança e do afeto que recebe. Dessa forma, a adoção é medida excepcional, pois retirar uma criança de sua própria família tem consequências profundas tanto para o seu desenvolvimento pessoal como social.

Falta no Brasil uma rede de proteção para as famílias vulneráveis

As Diretrizes das Nações Unidas sobre Cuidados Alternativos de Crianças reforçam a importância de os Estados promoverem políticas preventivas, que fortaleçam as famílias e as capacitem para esse importante papel de cuidar das crianças. Quando realmente se faz necessário o encaminhamento de uma criança para o sistema de acolhimento, é obrigação do Estado tomar as medidas necessárias para que os motivos desse afastamento sejam sanados e a criança possa regressar a sua família. Só em último caso, quando não foi possível sanar esses motivos, depois de esgotados os meios, deve ser decretada a perda do poder familiar. Nesses casos, a criança perde qualquer contato com a família de origem e é encaminhada para a adoção.

O grande problema do acolhimento de crianças no Brasil está, ao que parece, na omissão do Estado em trabalhar as famílias tanto preventivamente quanto aquelas que já estão com filhos afastados. Falta no Brasil uma rede de proteção para as famílias vulneráveis. Muitas crianças são colocadas em abrigos distantes das suas famílias e comunidades, o que facilita o rompimento dos vínculos. Na maioria das vezes, o tratamento das causas que levaram ao afastamento é negligenciado, o que pode envolver situações de dependência química, violência e/ou abandono. Por fim, a família extensa ou a comunidade não é procurada para verificar o interesse em receber a criança.

Leia também: Adoção, um amor diferente (artigo de Amélia Jojima, publicado em 24 de maio de 2017)

Leia também: Super-heróis e adoção (artigo de Ana Harmatiuk Matos e Eduardo Walger, publicado em 8 de junho de 2012)

Como não há serviços efetivos de apoio às famílias, e como não se esgotam as tentativas de reinserção da criança em sua família de origem, o sistema de acolhimento incha. As crianças não são reinseridas em suas famílias e nem podem ser encaminhadas para o sistema de adoção.

A legislação brasileira sobre acolhimento de crianças é bem atual e está em sintonia com as Diretrizes das Nações Unidas sobre Cuidados Alternativos de Crianças. Apesar disso, alguns projetos em tramitação no Congresso Nacional parecem se contentar com padrões inferiores para resolver o problema e querem simplificar o processo: “como o Estado é omisso, vamos excluir essa atuação que deveria ser feita, mas não é”.

Ora, o correto deveria ser buscar as raízes do problema e colocar os meios para solucioná-los. Se muitas famílias do Brasil estão se separando e precisam de apoio, é obrigação do Estado, de forma subsidiária, com o apoio do terceiro setor, ajudá-las a cumprir o seu importante papel social. Como de costume, basta cumprir a legislação atual.

Lígia Miranda de Oliveira Badauy é vice-presidente da Confederação Nacional das Entidades de Família (CNEF). Francisco Augusto Garcia é especialista em políticas públicas para primeira infância.
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