Família por adoção é simplesmente outra forma de filiação e deve ser respeitada como tal. O amor de uma família adotiva é construído da mesma forma que de uma família genética
Existe no Brasil um bonito e competente movimento da sociedade civil que trabalha em prol da adoção e da prevenção ao abandono. Trata-se dos Grupos de Apoio à Adoção, que entre tantos benefícios, teve papel decisivo na promulgação da Lei n.º 10.447 que oficializou o dia 25 de maio como "Dia Nacional da Adoção". Há muito que se comemorar, pois durante muito tempo não se falava abertamente de adoção em nosso país, apenas se sussurrava, como se tal fato fosse algo marginal. Embora ainda existam diversos preconceitos e desconhecimentos em relação à adoção, o tema tem sido discutido ampla e abertamente.
A adoção é praticada desde os primórdios da humanidade e foi disciplinada pelo Código de Hamurabi (1728-1686 a.C.), tornando-se conhecida no Egito, na Caldeia e na Palestina. A adoção é, provavelmente, o método mais antigo utilizados pelas sociedades, em todas as épocas, para garantir a continuidade da família. Na Antiguidade atendia aos anseios de ordem religiosa, pois as civilizações primitivas acreditavam que os vivos eram protegidos pelos mortos. Não havia sequer a preocupação com laços afetivos entre adotante e adotado. Não existia nessa época nenhuma discussão sobre "a proteção da criança"; ao contrário, até o século IV d.C., a família estava sob a autoridade total do pai que tinha direito de vida e morte de seus filhos.
Na Idade Média, com a influência do Cristianismo, a Igreja criou as famosas Rodas dos Expostos, as quais serviam para o abandono anônimo de bebês e, consequentemente, tentavam reduzir os infanticídios. No entanto, a adoção ficou em desuso nessa época, pois a própria Igreja não a via com bons olhos, uma vez que esta poderia ter o objetivo de regularizar filhos adulterinos. Na Idade Moderna, foi Napoleão quem procurou legalizar a adoção, mas as leis sempre privilegiaram os filhos genéticos em detrimento dos adotivos. Nas leis brasileiras, somente com a Constituição de 1988 e, posteriormente, com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990, desapareceu qualquer tipo de discriminação entre filhos adotivos e genéticos. A partir do ECA passou a existir somente um tipo de adoção, a adoção plena, a qual é irrevogável e torna a criança filha legítima dos pais adotivos, com todos os seus direitos e deveres. Nota-se que a adoção nasceu para perpetuar a família e servia somente ao interesse de adultos que não podiam ter filhos genéticos. Atualmente a adoção tem o principal objetivo de dar uma família para uma criança, ou seja, o interesse e o direito são sempre da criança em primeiro lugar.
As razões para se adotar devem concentrar-se basicamente no grande desejo de transformar uma criança com a qual não se compartilham laços de sangue em filha. No entanto, sempre que falamos em adoção, não podemos esquecer que ela está intimamente ligada ao abandono e, nesse sentido, em uma adoção também deve existir um fator de solidariedade, pois é preciso aceitar integralmente aquela criança e apoiá-la em diferentes momentos da vida já que podem vir à tona inseguranças e angústias com a sua história de origem
Desde que somos muito pequenos, as pessoas nos ensinam somente uma história sobre como ter um filho: a história de duas sementinhas que se unem para formar um novo ser. Isso continua sendo sempre verdade, mas as pessoas se esquecem de contar para as crianças que existe outra maneira de ter um filho. É preciso deixar claro que essa outra maneira de ser pai/mãe/filho a adoção não é menos importante nem verdadeira do que a filiação genética.
Família por adoção é simplesmente outra forma de filiação e deve ser respeitada como tal. Toda criança e adolescente precisam de adultos afetivos, de pais que lhe ensinem as fronteiras entre o certo e o errado, que possam lhe enxugar uma lágrima em momentos de tristeza, que possam ouvir e compreender os seus sonhos mais fantásticos e os pesadelos mais assustadores. O amor de uma família adotiva é construído da mesma forma que de uma família genética. Não é ter o mesmo sangue nem os mesmos genes que vai garantir o amor nem a felicidade na relação. Todo amor é conquistado e todos os pais, sejam adotivos ou biológicos, devem adotar seus filhos.
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Lidia Weber, professora do Departamento de Psicologia e do Mestrado e Doutorado em Educação da UFPR, é autora de diversos livros, entre eles, Laços de Ternura: pesquisas e histórias de adoção.
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