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As manifestações que pipocaram pelo país, tempos atrás, têm mostrado uma nova faceta dos brasileiros, ainda pouco conhecida, ou pelo menos convenientemente ignorada. E quem acompanha as redes sociais garante: vem mais por aí, sobretudo no período do principal torneio mundial de futebol. Os críticos de plantão argumentam que se trata de um movimento vazio, sem direção, com reivindicações diversas. Mas uma coisa é inegável: as vozes que ecoam das ruas trazem em comum a indignação por um modelo de gestão ultrapassado, que privilegia uma casta de políticos (e seus apadrinhados) que pouco fazem pelos cidadãos e oneram mais o erário do que o faria, provavelmente, uma família imperial. Aqui falamos de cidadãos pacíficos e não de baderneiros travestidos de manifestantes.

As históricas desigualdades brasileiras não se resumem aos privilégios dos políticos e à injusta distribuição de renda. Estendem-se ao trato dispensado a alguns profissionais. A legislação é dura com os advogados, que enfrentam um novo "vestibular" ao deixar a faculdade. Quem não passa no Exame de Ordem está fora do mercado de trabalho. Em compensação, para quem lida com a saúde humana não se exige o mesmo rigor. Seis em cada dez médicos foram reprovados no exame do Conselho Regional de Medicina de São Paulo, dos formados em 2013. O índice é pior que o de 2012, ano em que a prova se tornou obrigatória, e quando foram reprovados 54,5%.

O tragicômico é que o Conselho de Medicina não pode negar o registro a quem não acerta 60% da prova. O diretor do Cremesp comenta que há candidatos que acertam apenas 17 das 120 questões de múltipla escolha, e seguem a profissão como se nada tivesse acontecido. A maioria dos avaliados não sabia quais são os cuidados básicos para tratar um paciente com pressão alta e 64% não conheciam os principais sintomas da tuberculose. Os resultados são piores entre os formados em faculdades particulares. De acordo com o Cremesp, a prova só avalia o básico da formação em Medicina. Se é assim no estado mais progressista da nação, é duro imaginar o que não ocorre país afora.

A pergunta é: onde está o Ministério Público, que a cada recorrente denúncia de corrupção exibe sua performance nos telejornais? Onde a Ordem dos Advogados, defensora de tantas causas democráticas, mas que faz vista grossa para tamanho descalabro? Onde os veículos de comunicação, sobretudo a televisão, que nos impõem uma overdose informativa quando quer derrubar algum político ou defender uma causa? Parecem estar todos se fingindo de mortos.

Os médicos reprovados são os que vão cuidar da saúde desta geração, bem como de seus filhos e netos. O hábito não faz o monge, diz o velho adágio popular, assim como o jaleco não faz o médico e como fachadas portentosas não garantem a eficácia de um hospital. O povo brasileiro precisa acordar e unificar sua voz em torno de temas que realmente interessam. Está mais que na hora de as manifestações (pacíficas) das ruas não só repudiarem os gastos com a Copa, mas reivindicarem para o exercício da medicina o mesmo que se exige dos advogados.

Abaixo os gastos abusivos com a Copa! Abaixo o desrespeito com a vida humana!

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